Por Tatiana Lemos, sócia-fundadora da Ayre.
Certa vez, entrevistei uma mulher que trabalhava em uma grande indústria do ramo alimentício e tinha se tornado mãe de gêmeos. A pauta era o retorno ao trabalho, após a licença maternidade.
Ela confessou que amava seu trabalho e que estava louca para voltar ao batente, mas desabafou: “Quando voltei, me sentia perseguida. Todo mundo duvidava da minha capacidade de continuar fazendo o que eu fazia antes de ser mãe”.
Tive uma experiência semelhante, após a chegada dos meus filhos e, muitas vezes, me vi tentando performar, pois descobri que há uma lei que rege a permanência das mulheres no mercado com a maternidade: trabalhe como se não tivesse filhos, seja mãe como se não trabalhasse.
Corta para 2022. Alguns anos se passaram, e estou diante de uma executiva c-level de uma empresa de tecnologia, para a gravação de um podcast de um cliente da Ayre,empresa da qual sou sócia-fundadora, junto com a publicitária Natália Homem de Mello.
Durante a gravação, a executiva se apresentou profissionalmente, emendando suas credenciais como mãe e contou que, durante muito tempo, no ambiente de trabalho, se masculinizou e foi agressiva, porque achava que era isso que precisava fazer para chegar nos cargos de liderança.
“Hoje eu faço questão de ter a minha feminilidade, de falar que sou mãe. Todas as pessoas da empresa conhecem meus filhos, pois trabalho em home office”, contou.
Vivemos em um mercado de trabalho hipermasculinizado, que costuma ignorar a maternidade ou transformá-la em obstáculo, praticamente excluindo da pauta a parentalidade, ou seja, a participação masculina no âmbito familiar.
Porém, nos últimos anos, à medida que pudemos integrar a esfera da maternidade à vida profissional, com uma ajudinha da pandemia, que acelerou o processo, começamos a mexer o ponteiro e modificar essa história.
Não podemos falar de mudanças no mercado sem olhar para as questões das pessoas e da sociedade. Os fenômenos “the great resignation” e “open talent economy” estão aí para nos mostrar que vivemos mudanças estruturais, com raízes tanto na vida pessoal, quanto nos anseios profissionais.
Quase metade das mulheres são demitidas até dois anos após a licença-maternidade, conforme um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). E há muitos outros números desanimadores que confirmam isso.
No Brasil, a maioria das mulheres que saem do mercado formal de trabalho são arremessadas no empreendedorismo por necessidade e não por oportunidade. Mudar-se esse cenário, ainda parece distante, mas podemos mudar nossos microcosmos
Aqui na Ayre, costumamos agendar as reuniões respeitando, por exemplo, o horário de buscar as crianças na escola. Temos parceiras que também são mães e, vez ou outra, precisam desmarcar compromisso, porque um filho ficou doente. E tudo bem.
É assim que vamos minando o mindset “trabalhe como se não tivesse filhos” e normalizando os temas relativos à parentalidade. Claro, fica mais fácil quando somos as chefas.
Por isso a importância de líderes que levantem a bandeira e inspirem outras mulheres, mostrando que é possível, sim, ser mulher feminina, mãe e bem sucedida. Ou, como diz a Dani Junco, da B2Mamy, “entre ser mãe e ser CEO, escolho os dois”.