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Como a cultura organizacional pode impedir o Quiet Quitting e a insatisfação nas empresas

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Foto: Elis Andrade

Segundo dados levantados pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), cerca de 2,9 milhões de trabalhadores brasileiros pediram demissão apenas no primeiro semestre deste ano. Este é o maior índice anotado desde 2005.

O aumento de casos de Burnout também evidencia que muitos sentem o efeito do excesso de trabalho em suas vidas. Em resposta, surge um novo movimento: o Quiet Quitting (traduzido livremente como “demissão silenciosa”).

A sugestão é que os adeptos ao movimento façam apenas o combinado para suas funções: não trabalhem no fim de semana, não se ofereçam para tarefas extra não-remuneradas e saiam sempre no horário combinado.

Para entender mais desse movimento e como uma cultura organizacional pode evitá-lo, além de melhorar a satisfação de colaboradores em uma empresa, o Economia SP Drops conversou com a gerente sênior de growth marketing do QuintoAndar, Thais Sterenberg. Confira abaixo:

O que é o Quiet Quitting e por que empregadores devem se atentar a isso?

Thais: O termo, na verdade, não necessariamente indica a demissão em si, mas representa a ideia de trabalhar fazendo estritamente o necessário para se manter empregado. Ou seja, evitando trabalhar além do horário e entregando o que se espera, nada além disso. Claro que cabe ao empregador definir se o colaborador, ao fazer apenas o necessário, vale ser mantido ou não. Em resumo, o movimento representa uma nova relação do colaborador com o trabalho, que na minha visão, foi muito motivada pela pandemia. Estávamos acostumados com o tempo de deslocamento e o dia a dia no escritório. De um dia para o outro, essa rotina quebrou e passou a ser totalmente dentro de casa. Por mais que a pandemia tenha durado um longo período, agora que a liberdade voltou a existir, a tendência é que as pessoas não queiram mais se render a uma dinâmica de trabalho tão intensa quanto antes, ou pelo menos que busquem manter a flexibilidade de passar mais tempo em casa, e nem sempre as empresas estão preparadas para isso. 

Como a boa construção da cultura organizacional pode contribuir para evitar situações como essa e até mesmo a Síndrome de Burnout?

Thais: Empresas são compostas por pessoas, e o ser humano, por essência, tende a elevar seus níveis de estresse quando se sente ameaçado de alguma forma. Ele é um mecanismo de defesa que nos mantém alertas, e que vem do nosso instinto, quando, há muitos e muitos anos, nossa vida se baseava na caça, na luta ou na fuga. Sentimentos como medo, ameaça, incerteza, desencadeiam a liberação de uma série de hormônios que, em excesso, passam a elevar nossos níveis de ansiedade a um extremo não-saudável, o que pode desencadear tanto reações racionais para minimizar o quadro, como o movimento do “quiet quitting”, quanto até desencadear doenças físicas, crônicas, ou psicológicas, como o Burnout. Dado esse contexto, uma boa cultura organizacional, que traz direcionamento, previsibilidade, segurança e clareza ao colaborador, diminui as incertezas e ameaças comuns a um ambiente de trabalho e, consequentemente, tende a manter níveis de estresse mais controlados. Quando a maioria dessas pessoas se sente bem em seu ambiente de trabalho, a tendência é que elas se mantenham mais motivadas, produzam mais, com mais qualidade, e esse ambiente mais equilibrado e previsível tem o potencial de diminuir a incidência dos problemas de saúde mental.

Em um ecossistema de inovação, com startups enxutas, onde o ritmo, geralmente, é “fazer mais com menos”, a cultura organizacional pode estabelecer os limites entre o “vestir a camisa” com o “isso não está no meu escopo”?

Thais: Eu não acho muito positiva essa visão que você citou de “isso não está no meu escopo”, nem para o colaborador, e nem para a empresa. Da mesma forma, o “vestir a camisa” não necessariamente implica extrapolar os limites de uma relação saudável com o trabalho. E é justamente esse o poder que uma boa cultura organizacional tem em uma empresa: ela basicamente dita as regras sobre como é esperado que você entregue seus resultados, evitando que a opinião ou interpretação pessoal de cada pessoa se confunda com o que a empresa espera e valoriza. A cultura bem definida, inclusive, ajuda a confirmar se aquela pessoa realmente tem fit com a empresa, e vice versa. Afinal, caso meus valores não corroborem com os valores da empresa, provavelmente eu terei mais cautela ao aceitar ou não uma proposta para trabalhar ali. Pensando no modelo de startups, que de fato buscam a entrega de resultados muito acelerada com estruturas enxutas, o risco de cada pessoa buscar o resultado de um jeito diferente é ainda maior, e isso pode ocasionar problemas até nas relações de gestores e equipes. Se um gestor cobra resultado do seu time, e se não houver regras claras sobre como esse resultado deve ser atingido, provavelmente as pessoas ficarão mais estressadas, trabalharão por mais horas e eventualmente se desmotivaram.  Uma empresa que valoriza a entrega de resultados, mas também tem a “colaboração” em seus valores, por exemplo, dificilmente vai corroborar com um comportamento estilo “isso não está no meu escopo”, mas não necessariamente cobra o resultado a qualquer custo, pois delimita que as pessoas deveriam trabalhar juntas para entregá-lo. Isso tende a manter o ambiente mais saudável e previsível.

Como a cultura organizacional pode, além de evitar o que já foi citado, contribuir para o crescimento das empresas?

Thais: Muitas vezes a cultura é confundida com ações de engajamento feitas pelo RH (kit de boas vindas, happy hour…). A construção da cultura de fato tende a ser pouco valorizada por ser cara, difícil de mensurar e trazer resultados mais consistentes apenas no longo prazo. Cada empresa é diferente, a depender do segmento em que atua, perfil de seus fundadores, tamanho, tipo de produto vendido, e até influenciada por fatores culturais e regionais. Mesmo assim, depois de trabalhar com diversos segmentos, tamanhos e modelos de negócio diferentes, eu consegui identificar um padrão que pode ser usado para, de fato, transformar a cultura em alavanca de crescimento para qualquer negócio. 

Os seis conceitos abaixo tornam a cultura organizacional um impulsionador de eficiência interna muito poderoso. Eles já ajudam se forem implementados de maneira independente, mas realmente transformam se existirem todos juntos. Porém, se um deles existir  e não for bem executado, ou tiver muito mais força que os demais, o risco de gerar um efeito colateral é grande.

São eles:

1. Propósito transformador consistente: um propósito real, bem comunicado, e consistente nas ações e decisões da empresa, motiva as pessoas a saberem por que estão ali fazendo o que fazem.

2. Transparência: ela é a inimiga da incerteza. Por mais que a verdade não seja sempre positiva, ser transparente com seus colaboradores demonstra confiança, gera vínculo. Minha recomendação é que ela venha sempre junto com um bom planejamento de comunicação interna, com rituais bem definidos e intenção ao comunicar, buscando evitar ruídos e fofocas.

3. Processos: falando em planejamento e rituais, essas duas coisas juntas dão origem aos processos, que, por mais que tenham conquistado má fama no mundo das startups, são muito importantes para trazer previsibilidade e direcionamento sobre o que é esperado de cada um. Sem processos, cada um faz o trabalho de um jeito diferente, e a inconsistência entre equipes tende a gerar silos e focos de insatisfação nocivos ao negócio.

4. Alinhamento na geração de valor: se a empresa ganha, o colaborador precisa ganhar também. Por mais que não necessariamente ele ganhe financeiramente, celebrações são essenciais para fazê-lo se sentir parte do sucesso da empresa, e inclusive afastar um sentimento comum aos adeptos do “quiet quitting” de que “meu trabalho serve apenas para deixar meu chefe mais rico”.

5. Diversidade com meritocracia: diversidade é essencial para qualquer empresa prosperar, isso já nem deveria ser questionado. Mas depois que uma empresa conquista um quadro de colaboradores realmente diverso, ela não pode esquecer de exercer a meritocracia interna, pois um dos principais gatilhos de insatisfação do colaborador é achar que aquele ambiente é “injusto”. Processos de avaliação e feedback, com regras claras e tangíveis, ajuda muito a tangibilizar a meritocracia e evitar avaliações enviesadas entre pessoas e times.

6. Diversão: por fim, não adianta ter todos os itens acima, sem um pouco de diversão. Ela tem o poder de potencializar a produtividade da empresa, já que estimula os vínculos emocionais e a fidelidade dos colaboradores — afinal, faz com que as pessoas trabalhem mais felizes. Isso não significa que você precisa fazer happy hours toda semana, mas pelo menos busque ações que promovam descontração, e que tragam leveza para o ambiente,

Quais outros benefícios a cultura organizacional pode trazer ao mundo corporativo?

Thais: Vejo a cultura das empresas como um pilar tão importante quanto o marketing, o produto ou qualquer outra área. Recrutar uma pessoa é muito caro e até ela começar a gerar valor real para a empresa e deixar de ser um custo, demora alguns bons meses. Uma cultura bem estruturada acelera a geração de valor individual e potencializa o resultado como um todo, trazendo mais eficiência para o negócio. Além dos benefícios financeiros a longo prazo, a cultura tem o papel de grande chamariz para que pessoas queiram de fato trabalhar naquela empresa. Como a mão de obra especializada está cada vez mais cara e escassa, principalmente em áreas de tecnologia e inovação, sem uma boa cultura sua empresa vai certamente ficar para trás na atratividade. Por fim, uma cultura bem estruturada e comunicada tira um grande peso dos ombros da liderança da empresa, principalmente quando ela ainda é pequena. Afinal, tendo bons pilares culturais, não fica apenas sob a responsabilidade dos líderes garantir que a empresa está tomando o rumo desejado (afinal, todos ali sabem o que devem fazer, e como).

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