Por Karina Rehavia, fundadora e CEO da Ollo.
Quando era criança, lembro de conviver com muitos adultos que consideravam que um “bom emprego” era sinônimo de estabilidade, poucos desafios e a expectativa de uma vida confortável.
“Fazer carreira” em um banco ou no serviço público foi o sonho de várias gerações, mas esse mindset vem sendo chacoalhado nos últimos anos.
Em um mundo cada vez mais complexo, empresas de todos os setores precisam lidar com o desafio de manter a competitividade mesmo com inovações surgindo constantemente.
E esse desafio transborda para os colaboradores e colaboradoras das empresas, que em muitos casos abandonaram a ideia de construir carreira em um único lugar e, com uma frequência cada vez maior, criam projetos de vida fluidos.
Para essas pessoas, vale mais a pena fazer uma atividade interessante e desafiadora do que “se prender” a uma empresa.
No Estados Unidos vem acontecendo, desde 2020, um movimento intenso de abandono dos modelos tradicionais de trabalho.
Apenas no ano passado, 48 milhões de pessoas pediram demissão (uma média de 4 milhões de pessoas por mês), grande parte sem ter outra posição em vista.
Isso representa uma mudança radical na maneira como as pessoas enxergam a si mesmas na estrutura de trabalho: não mais como profissionais de mercado que procuram uma posição, e sim como empreendedores dispostos a buscar uma equação que equilibre vida pessoal e profissional.
Problema ou solução?
É possível encarar essa mudança do mercado de trabalho como um problema, ou como uma solução. Se por um lado é cada vez mais difícil manter times coesos por muito tempo, por outro é cada vez mais possível acelerar a inovação nas empresas.
Em um passado não muito distante, o máximo de flexibilidade que as empresas tinham era a contratação de consultores.
Hoje é possível montar equipes altamente qualificadas para projetos específicos, envolvendo freelancers, especialistas, consultores e o time fixo da empresa.
Essa é uma possibilidade trazida pela Economia Fracionada, que possibilita novas oportunidades de formatação de equipes em uma arquitetura em rede.
Em vez de arquiteturas verticais, são modelos flexíveis que permitem aos negócios se adaptar rapidamente às necessidades do momento.
Por que isso acontece?
Um relatório da Deloitte publicado em 2013 já apontava o Open Talent (framework de relações de trabalho mais abertas e flexíveis que é a base do conceito de Economia Fracionada) como uma grande tendência para 2020.
Claro que eles não esperavam que a pandemia acelerasse esse processo, mas, há uma década, a consultoria já via 4 grandes fatores impulsionando esse movimento:
- Globalização: o surgimento de um mercado global de talentos em muitas áreas (TI é um ótimo exemplo disso) gera novas formas de aquisição, desenvolvimento e gestão de talentos nas empresas.
- Tecnologia: a ampla disponibilidade de videoconferências e chamadas em áudio via internet, o crescimento da velocidade de computação e o cloud computing fazem com que o trabalho colaborativo possa acontecer em qualquer lugar do mundo. E, com os avanços tecnológicos, recursos de comunicação em tempo real se tornam cada vez mais acessíveis.
- Mobilidade: a mobilidade tecnológica e social faz com que os talentos não precisem mais estar no mesmo lugar das empresas. Nossa organização de trabalho vem da Revolução Industrial, quando as pessoas precisavam obrigatoriamente ir até as fábricas. Hoje, em um número crescente de atividades isso não é mais necessário.
- Negócios sociais: o Open Talent é, acima de tudo, um movimento humano, em que pessoas se conectam de novas maneiras e buscam dinâmicas diferentes de trabalho.
A principal consequência desses fatores é a flexibilização do trabalho, que se torna, efetivamente, “as a Service”.
Essa nova realidade vale para quase todo segmento do mercado, e para qualquer posição na hierarquia do negócio.
Segundo pesquisa feita pela Harvard Business School, 60% dos executivos c-level entrevistados disseram que vão, cada vez mais, preferir compartilhar talentos com outras empresas, seja para reduzir custos, seja para aumentar a “polinização” do negócio com novas ideias.
Parcerias em vez de contratações
Na Economia Fracionada, as relações de trabalho mudam completamente. Cada profissional se torna um empreendedor, desenvolvendo sua rede de clientes em qualquer lugar do mundo, seja em atividades pontuais, seja em situações estáveis e de longo prazo.
Essa é uma forma viável e prática de acessar talentos que, de outra forma, talvez fossem inalcançáveis. Bill Joy, co-fundador da Sun Microsystems, disse certa vez que “não importa onde você esteja, os melhores profissionais sempre vão trabalhar para outra empresa”.
Na Economia Fracionada, a empresa passa a acessar um pool de talentos, para projetos pontuais ou recorrentes.
Nestes tempos em que nos preocupamos tanto com a melhor maneira de utilizar os recursos naturais, também é hora de pensarmos em como utilizar melhor os recursos humanos.
Por que ter na equipe pessoas que não serão utilizadas o tempo todo? Por que subutilizar esses talentos? Se as pessoas querem aproveitar melhor seu tempo, é natural que as empresas busquem maneiras de otimizar o tempo delas mesmas e dos profissionais.
Na Economia Fracionada, as empresas ganham uma possibilidade adicional de acesso aos talentos. Certamente, essa possibilidade gera situações interessantes: assim como um conselheiro de administração pode atuar em várias empresas a partir de sua expertise, um CEO pode gerenciar mais de um negócio ao mesmo tempo. Para algumas empresas, certamente essa é uma possibilidade tentadora.
A Economia Fracionada é, acima de tudo, um caminho adicional. Nenhuma empresa estará 100% nesse modelo, e nem é esse o objetivo.
O mais importante é ganhar flexibilidade para lidar com as inovações do mercado e reagir rapidamente às transformações.
Veremos esse movimento avançar muito nos próximos anos, especialmente a partir de atividades que detêm um conhecimento muito específico e, hoje, não adaptável à estrutura convencional de um negócio.
Minha sugestão para as empresas é apostar na experimentação, com demandas pontuais, em projetos específicos.
E, aos poucos, ampliar a implementação deste modelo para toda competência que não necessite de presença 24/7 no negócio.
Muitas empresas perceberão que é possível ter uma estrutura muito mais flexível, leve e adaptável.