Por Larissa Agostini, especialista em ginecologia natural e saúde menstrual.
Tanto a inserção das mulheres no mercado de trabalho quanto a atenção à saúde feminina são duas vitórias recentes. Foi em 1934 que elas conquistaram seus primeiros direitos trabalhistas no Brasil, ainda que com muitas precariedades, visto que até 1962 só podiam trabalhar fora com a autorização do marido. A assistência específica em saúde da mulher surgiu como um programa em 1983 e foi incluída como plano nacional do governo apenas em 2004, seguida pela implantação da política nacional de direitos sexuais e reprodutivos em 2005.
Isso diz muito sobre o cenário atual. As mulheres ocupam o ambiente corporativo, mas ele ainda é fundamentado por regras e estruturas que convém aos corpos masculinos. Neste contexto, nenhuma mudança foi feita para atender às necessidades das mulheres nesses ambientes. É comum ouvirmos sobre as dificuldades de inserção e permanência feminina no mercado de trabalho, além de outras desigualdades como salário e jornada dupla. Mas a saúde e as condições hormonais ainda são barreiras para a equidade de gênero e o pleno exercício de direitos.
Segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), até 2030 cerca de 1 bilhão de mulheres estarão enfrentando a menopausa. Uma das consequências durante essa fase é a saída de milhares delas do mercado de trabalho, seja voluntariamente, por não conseguirem conciliar a rotina com os sintomas, ou por demissões, devido à incompreensão dos empregadores com situações como falta de foco e perda de memória, por exemplo.
A menstruação também precisa ser levada em conta. De acordo com a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), dentre as mulheres empregadas globalmente, as que estão em idade menstrual representam cerca de 1,2 bilhões, isso significa que quase metade do mercado de trabalho global é composto por pessoas que estão menstruando. E eles são os que menos tem olhado para isso. Falta estrutura sanitária e de higiene adequada nas empresas, além de estar enraizada uma cultura sexista de estigma que constrange e descredibiliza pessoas por questões hormonais e, acima de tudo, mulheres e pessoas com ovários estão trabalhando doentes e piorando doenças pré-existentes devido ao trabalho. A endometriose, por exemplo, é a principal causa de absenteísmo em mulheres. Segundo a Endocost, elas perdem até 11 horas semanais de trabalho.
Menstruação não é doença nem fator de incapacidade, mas a negligência com a saúde de 1/3 das mulheres que vivem com questões de saúde hormonal é uma manifestação de desigualdade de gênero. Um estudo recente da University College London (2018) comprovou que cólicas menstruais podem doer tanto quanto um infarto. Nós estamos inseridas em um ambiente de negócios que diz que mulheres têm que sofrer um infarto por mês em silêncio, fingindo que estão bem e produzindo 200% por hora para não serem demitidas.
Ninguém nega que o trabalho afeta a saúde e a saúde afeta a qualidade do trabalho. O desafio está em que as empresas e a sociedade em geral encarem a saúde menstrual e reprodutiva com a mesma relevância que tem a saúde mental, física ou laboral. Qualquer coisa que gere impacto a produtividade e ao desempenho das atividades de trabalho vão afetar o resultado dos negócios, por isso, é importante não só para as mulheres, como também para as empresas e a economia do país.
As empresas têm a responsabilidade de garantir um ambiente seguro, com condições dignas de trabalho para promover o bem estar e garantir que as carreiras não sejam interrompidas ou prejudicadas por questões naturais e fisiológicas das mulheres. Para isso, as empresas e organizações precisarão de profissionais da área que tracem estratégias que possam ser sustentáveis a longo prazo.
Algumas iniciativas podem ser simples como possibilitar que as pessoas que menstruam possam ir ao banheiro com mais frequência durante o período sem constrangimentos ou repreensões, como também melhorar a ventilação e o manejo do ar condicionado em ambientes com mulheres que enfrentam ondas de calor. São mudanças simples e de bom senso, mas que trarão resultados no bem estar e nos negócios. Selecionei algumas iniciativas que as empresas podem adotar para apoiar a saúde menstrual e reprodutiva no ambiente de trabalho:
- Criar ações educativas, de promoção e prevenção à saúde e que considere também as demandas interseccionais de pessoas trans, negras, lgbtqi+ e PCD.
- Aprofundar o debate e se engajar em projetos sobre dignidade menstrual.
- Melhorar infraestrutura laboral e condições sanitárias adequadas à realidade de pessoas que menstruam.
- Garantir um ambiente seguro e acolhedor, trabalhando diariamente pelo fim do estigma.
- Criar uma cultura empresarial inclusiva que promova mudanças transformacionais de forma permanente.
- Flexibilizar atividades e jornada de trabalho.
- Reconhecer quantas mulheres enfrentam doenças ginecológicas e apoiá-las.