Por Claudia Pitta, coordenadora da comissão de ética na governança do IBGC, consultora e professora de ética organizacional e ESG e fundadora da Evolure Consultoria.
O começo do ano é conhecido por ter listas de resoluções e tendências para os próximos 12 meses. Desde 10 dicas de sucesso para gestores até 5 desafios de sustentabilidade, as previsões para o futuro deixaram passar os principais desafios éticos que as empresas e demais organizações brasileiras devem enfrentar em 2023.
1. Polarização
O fim das eleições não deve arrefecer a grave divisão social que vimos observando já há alguns anos, acirrada no período eleitoral. O problema da polarização não é exclusivamente brasileiro e não se restringe a preferências político-partidárias. Ele se estende a temas morais, religiosos, sociais e outros, afetando todas as esferas de nossa vida.
As empresas são atingidas por esse fenômeno de várias formas. Elas têm sido chamadas a opinar sobre diversas questões controversas alheias à gestão empresarial tradicional, sofrendo críticas por adotarem posturas neutras. O diálogo entre equipes e com stakeholders enfrenta desafios adicionais decorrentes da falta de empatia e tolerância: ainda não aprendemos a praticar o pluralismo, que é a diversidade e inclusão de pessoas com visões de mundo diferentes das nossas. O nível de ódio e violência afeta a saúde mental de todos, com impacto em desempenho profissional. O policiamento sobre opiniões e linguagem e o consequente medo do cancelamento – nas redes sociais e na vida – acirram ânimos e silenciam pessoas que teriam contribuições importantes para suas organizações.
Executivos e conselheiros devem manter-se atentos a como essa realidade impacta a organização e como incorporar o efetivo pluralismo na cultura organizacional, ao mesmo tempo em que combatem posturas e opiniões que atentam contra os direitos humanos, a democracia ou os valores da própria organização.
2. Desinformação
Intimamente ligado ao desafio anterior, está o combate à desinformação e fake news. Esse é um debate extremamente complexo, que tem sido abordado de forma rasa e imediatista, permitindo que alguns segmentos da população tolerem – ou até defendam – restrições às liberdades de opinião e de expressão perpetradas pelo Poder Judiciário e propostas pelo Executivo.
Também as empresas – notadamente as de comunicação e mídias sociais e digitais em geral, mas não apenas elas – são agora instadas a lidar com questionamentos deste tipo: que opiniões ou atitudes podem ser proibidas no ambiente de trabalho, sem que um direito fundamental do colaborador seja violado? E fora do ambiente de trabalho, como, por exemplo, nas redes sociais pessoais de colaboradores ou executivos? Que postagens – ou que usuários – devem ser bloqueados, retirados, proibidos ou demitidos? E quem define os parâmetros para isso?
Essas questões merecem um debate público amplo no âmbito do Congresso Nacional. A solução fácil da censura estatal – sem o devido processo legal! – é perigosíssima. Para a sociedade e para as empresas.
3. Remuneração executiva
O escândalo das lojas Americanas reavivou diversas discussões de ética e governança corporativa. Uma delas, estou certa de que será sobre a remuneração de executivos, sobretudo porque a fraude ocorreu em uma companhia representante da cultura de meritocracia selvagem, com metas e bônus agressivos.
Até que ponto o incentivo financeiro para executivos e colaboradores extrai o melhor em termos de desempenho e ética e em que condições esse incentivo se torna perverso, promovendo comportamentos antiéticos e ilegais?
4. Saúde mental
Assunto que ganhou destaque desde a pandemia, mas que ainda está longe de encontrar bons encaminhamentos nas organizações, inclusive porque os fatores que afetam a saúde mental muitas vezes transcendem o ambiente organizacional e estão fora do controle das lideranças. Polarização e desinformação, aliás, estão entre eles.
Por mais que o ESG tenha impulsionado uma revisão de práticas de gestão e liderança, continuamos a descortinar, no Brasil e no exterior, culturas empresariais absolutamente tóxicas, que não apenas geram desengajamento de colaboradores e perda de talentos, mas também doenças físicas e mentais.
Promover a saúde mental dentro das organizações requer uma liderança consciente, equilibrada e serena. Mas vivemos em um momento mundial que considero de “alta irracionalidade”: nervos à flor da pele, medo, ansiedade, intolerância. Como manter a sanidade?
5. Corrupção
A corrupção sistêmica é um desafio histórico no Brasil. Ela não impede apenas nosso progresso ético, mas também econômico e social. E afeta profundamente as empresas – algumas chegando a ser impedidas de operar em certos mercados por não aceitar práticas ilícitas.
Entre 2013 e 2018, assistimos a um período de importantes avanços no combate à corrupção (e à impunidade em geral), tanto legislativos quanto judiciais, iniciado pela aprovação da Lei Anticorrupção e da Lei das Organizações Criminosas, a operação Lava Jato e operações similares, a Lei das Estatais, entre outros desenvolvimentos.
O reflexo desses avanços nas empresas foi percebido a olhos nus, e não apenas por advogados e especialistas em Compliance. A perspectiva de que crimes como corrupção e cartel não mais resultariam impunes, mesmo quando envolvessem grandes empresários ou políticos, provocou mudanças reais na atuação de um grande contingente de organizações. Era uma onda positiva.
Entretanto, a partir de 2019, temos acompanhado uma sequência de retrocessos no combate à corrupção e o retorno de mecanismo que garantem a impunidade. Como sempre digo, “quando você combate a corrupção, a corrupção revida”.
O histórico do governo que agora retorna ao poder inspira preocupação e cautela. Algumas medidas adotadas e outras defendidas nas primeiras semanas desde a posse acendem alertas vermelhos: a flexibilização das regras para nomeação de administradores de estatais, o retorno do COAF ao Ministério da Fazenda, a revisão de acordos de leniência, a possibilidade de pagamento de valores devidos aos cofres públicos pelos envolvidos na Lava Jato mediante prestação de serviços e execução de obras para o Estado, a nomeação, para os primeiros escalões do governo, de opositores da operação Lava Jato (e discriminação de indicados que a apoiaram).
Enfim, não vislumbro um ano fácil para nossas organizações. Os desafios aqui descritos exigem um esforço de evolução ética. Exigem consciência, equilíbrio e serenidade. Exigem, acima de tudo, que retomemos nossa capacidade de dialogar e construir consensos que permitam evoluir em todos os temas da pauta ética – entre eles, diversidade, equidade, inclusão e pluralismo, respeito ao meio ambiente e respeito à Constituição e às leis.