Por Tatiana Pimenta, CEO da Vittude.
Neste mês em que muita gente está se planejando para tirar o merecido descanso de férias, é importante lembrar que é preciso muito mais do que apenas organizar os detalhes da viagem em si, como a reserva do hotel e a compra do bilhete aéreo. A decisão mais importante inicia primeiro pela mente, quando a pessoa se compromete a realmente se desconectar do trabalho no período.
Se isso pode parecer óbvio à primeira vista, saiba que infelizmente a maioria das pessoas não se permite ter esse descanso.
Então olha só para esses números: 30% dos brasileiros conferem o e-mail de trabalho durante os dias de folga e 61% já cancelaram as férias por conta do trabalho, segundo uma pesquisa feita pela consultoria Northstar, que ouviu 11 mil pessoas.
Também é muito comum a pessoa não tirar o período integral de férias a que tem direito: uma pesquisa realizada pelo ISMA-BR (International Management Association) aponta que 43% dos trabalhadores têm receio de sair de férias.
Por que isso acontece? São vários os motivos, mas eles nos dão as pistas necessárias para que seja possível nos desconectar efetivamente no período de descanso.
Em primeiro lugar, muitas pessoas têm o receio de “perder” algum movimento da empresa enquanto estiver ausente, ou acreditam que sair de férias e se desconectar pode ter impacto em uma promoção ou aceleração da carreira.
Isso se deve a crenças que ainda prevalecem em gestões mais antigas, de que o tempo dedicado ao trabalho reflete o comprometimento com a empresa.
Outros grandes sabotadores da desconexão nas férias são a digitalização das empresas e a facilidade de acesso por smartphone, que causam um viés de hiperconexão e percepção de alta disponibilidade da pessoa com o trabalho. Se não for bem administrado, o limite entre a vida pessoal e profissional é ultrapassado, com sérias implicações na saúde mental das pessoas.
Na minha jornada pessoal, confesso que vivi isso como empreendedora à frente da Vittude. Muitas vezes tive receio de sair de férias e deixar algum pratinho cair. Foram mais de 5 anos para conseguir tirar meus primeiros dias totalmente offline, portanto, agora que consegui, quero compartilhar meus aprendizados sobre como fazer isso de forma planejada e consciente.
Se organize para que a equipe ande com as próprias pernas sem você
No mês de maio tirei 2 semanas e viajei para Paris e Irlanda, numa escolha de destino que privilegiasse a desconexão e que conto para vocês logo abaixo. Só que antes de me permitir passar essa temporada desconectada no exterior, organizei uma série de coisas para minha ausência no trabalho.
1 – Prepare o time
Fui treinando, delegando, criando documentos para que as pessoas pudessem consultar quando não estivesse ali. Criei documentações sobre tudo o que fazia, com esquemas de onde encontrar os materiais necessários para alguma demanda e árvores de decisão para situações que pudessem surgir na dinâmica do negócio.
É muito bacana notar os efeitos colaterais positivos dessa decisão. Ao estruturar dessa maneira o meu trabalho, dei autonomia para as pessoas do time para que decidissem com base em orientações bem direcionadas.
A não ser que um tsunami totalmente imprevisível acontecesse no período de férias, tudo caminharia muito bem, como de fato caminhou para mim.
2) Desligue os eletrônicos relacionados ao trabalho
- Coloque um aviso automático de férias no e-mail, informando que está com acesso restrito a mensagens e ligações e indicando pessoas responsáveis;
- Delete temporariamente aplicativos como Slack, Teams, ou outros que sejam usados para comunicação com pessoas do trabalho;
- Desligue todo tipo de notificação;
- Arquive grupos de WhatsApp ou Telegram que tenham conexão com o trabalho;
- Se você quiser se desconectar completamente, até das redes sociais, pode optar por deletar esses aplicativos no período de ausência também, ou pelo menos desativar as notificações, o que reduz a vontade de abrir toda a hora o aplicativo para ver as novidades.
Quando eu trabalhava como CLT antes de empreender, tinha um ritual: minhas férias sempre começavam com uma maratona. Eu escolhia a prova que iria correr, me inscrevia e treinava o ano todo tendo aquele objetivo como meta. Costumava chegar ao local da prova na quinta, para me adaptar alguns dias ao fuso horário ou à temperatura local, corria no domingo e na segunda iniciava minhas férias.
Fiz isso em Berlim, Chicago e Paris. Aliás, quando saí do mercado corporativo e decidi trilhar o caminho do empreendedorismo, corri 42 km pelas ruas de Paris, 40 dias antes de fundar a Vittude.
Em maio deste ano, participei de um último compromisso profissional em Paris antes de entrar em férias. Durante esses dias, mantive minha rotina diária de exercícios correndo nas ruas da Cidade da Luz, mesmo que a temperatura média fosse de apenas 10º. Assim, mantive minha saúde física em dia e, claro, curti os dias iniciais do descanso com amigos na cidade.
3 – Desconecte-se completamente da Internet
O verdadeiro período de desconexão aconteceu na Irlanda. Passei uma semana hospedada na casa de uma grande amiga-irmã e, quando cheguei na casa dela, vinda do aeroporto, fiz aquela pergunta automática de sempre: “Qual a senha do wi-fi?”.
Para minha surpresa, ela respondeu que não tinha wi-fi em casa. Que ela e o marido acessavam a Internet durante o dia, no trabalho, e que o fim do dia era dedicado a curtir a família. Nada de conexão. Que baita lição de vida, hein?
4 – Se aproxime da natureza, cultive momentos de silêncio
O fato de não ter wi-fi onde me hospedei foi ótimo e casou ainda mais com meu objetivo inicial de desconexão. Pude me reconectar com a natureza. Meditei todos os dias respirando aquele ar puro de uma área meio rural. Li bastante.
Escolha alguns dias, se não o período todo, para uma desconexão total da Internet. Isso permite uma reconexão interna tão especial que todos deveriam experimentar momentos como esse até fora do período de férias, aos fins de semana por exemplo.
5 – Visite lugares novos, conheça culturas diferentes
Isso me permitiu criar novas conexões e ampliar a criatividade. Faça bons roteiros de viagens para aproveitar bem o dia, cansar o corpo e descansar a mente.
6 – Planeje trilhas ou caminhadas, exercite o corpo
Um dos pontos altos das minhas férias foi a caminhada de 5 horas que fiz pelas Falésias de Moher (Cliffs of Moher). É um lugar lindo, com paisagens deslumbrantes, que fez bem à minha saúde física, mental e emocional.
7 – Procure eliminar qualquer ancoragem emocional que possa ter com o trabalho
Um conhecido me disse que deixa inclusive de usar o perfume que usa para trabalhar para tirar qualquer conexão sensorial com o ambiente! Interessante, não?
Torço para que essas dicas tenham ajudado você a refletir sobre a importância de cuidar da sua saúde mental e emocional, sendo as férias um período super importante nesse processo.
Voltei do meu período de descanso muito energizada, cheia de novas ideias e realmente pronta para me dedicar de coração leve à volta ao trabalho.