Siga nas redes sociais

Search

O mundo corporativo precisa olhar para os direitos humanos

Crédito da foto: Israel Pinheiro/divulgação
Crédito da foto: Israel Pinheiro/divulgação

Por Carine Roos, fundadora e CEO da Newa.

Pela primeira vez estive presente no 12° Fórum de Direitos Humanos & Empresas da ONU em uma data simbólica: 75 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos. O evento aconteceu em Genebra, na Suiça, e reuniu mais de 3900 participantes, representando 144 países. Estiveram presentes autoridades internacionais, agentes públicos, executivos de empresas e representantes da sociedade civil com o único objetivo em comum: garantir e promover os direitos humanos nas organizações. 

O Pacto Global é uma iniciativa da ONU que traz diretrizes para as empresas em relação aos direitos dos trabalhadores, ao meio ambiente, aos direitos humanos e ao combate à corrupção. Ele foi lançado em 2000 pelo então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e nasceu da necessidade de mobilizar a comunidade empresarial mundial para que fossem adotados valores fundamentais em suas atividades. Em relação aos direitos humanos, o Pacto estabelece que as empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente e devem assegurar-se de que não estão violando esses direitos.

Por iniciativa do Pacto Global Brasil, pela primeira vez na história, o Fórum contou com tradução para o português. Também levamos a maior delegação nacional presente no evento em toda a história: 80 pessoas. Além disso, sete palestrantes brasileiros ocuparam as plenárias principais. Ainda, pela primeira vez, o Fórum contou com linguagem de sinais e um painel exclusivo para tratar sobre direitos de pessoas com deficiência nas organizações. 

Dois temas foram centrais em todas as mesas: 1) Como podemos focar em práticas preventivas no que tange ao respeito aos direitos humanos, aos direitos do trabalhador, ao meio ambiente e o combate à corrupção; 2) Necessidade de aprofundamento de dados, due dilligence, isto é, uma análise sistemática para mitigação de um risco, por exemplo, contra povos originários e o meio ambiente diante de um empreendimento, proteção contra práticas discriminatórias em grupos minorizados dentro das organizações, investigação profunda contra todas as formas de trabalho forçado, incluindo, o trabalho infantil, investigação sobre o impacto de um produto que utiliza a Inteligência Artifical na vida das pessoas.  

Alguns dos principais insights dos três dias do Fórum que são norteadores para 2024 como práticas responsáveis para os dilemas enfrentados pelas organizações na promoção dos direitos humanos foram:

  • Abordagem humana central para alcançar os ODS. Há apenas sete anos do fim do prazo da chamada Agenda 30, que engloba os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), um estudo preparatório para a Reunião Geral da ONU, mostrou que quase metade (48%) das metas estão em estágio fraco ou insuficiente, enquanto o progresso estagnou ou retrocedeu em 37%. Para lidar com os desafios globais que estamos passando como empresas violadoras dos direitos indígenas, trabalho forçado e precarizado, marginalização de pessoas negras, trans e não binárias nas corporações, crise climática, desenvolvimento de uma inteligência artificial responsável, entre tantos outros, não existe outro caminho possível que não a ética do cuidado humano estar central nas decisões políticas, sociais e econômicas de empresas e países. Este ponto foi ressaltado na abertura da plenária para início dos trabalhos como um chamado para que os diferentes setores: empresas, agentes públicos, autoridades possam levar em suas agendas de tomadas de decisão de forma responsável.  
  • Reconhecimento inegociável dos direitos indígenas. Em praticamente todas as plenárias principais tiveram representantes dos povos indígenas, o que demonstra um chamado urgente do alto comissariado da ONU em interromper o ciclo de violência contra os povos originários. Isso significa a tomada de ação em diversas frentes: o questionamento do papel dos investidores e das instituições financeiras no patrocínio de empreendimentos que violem direitos indígenas; a responsabilização dos danos gerados pelas empresas com o impacto nas comunidades e no ambiente com a extração de minérios; o cumprimento de acordos internacionais; o respeito à autonomia e à visão holística dos povos indígenas; a priorização das comunidades e territórios com foco na prevenção por parte de empresas e estados; a consulta dos povos indígenas diante dos empreendimentos realizados; a necessidade de mais informações sobre as populações e os seus direitos com foco em prevenção e não quando os danos já ocorreram; a colaboração com as comunidades promovendo a assistência jurídica para que elas possam se fortalecer e exercer os seus próprios direitos.  
  • Aprofundamento de pesquisas concretas sobre o estado atual das empresas na promoção dos direitos humanos. Mesmo após 12 anos da criação dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, empresas precisam ter um maior comprometimento com as comunidades, isso significa investimento e fortalecimento das comunidades, mais estudos de impacto, evidências e maiores esforços da implementação dos princípios baseadas em dados, criação de indicadores para medir o impacto das ações com stakeholders e fornecedores, o acompanhamento de métricas desses fornecedores para que consigam cumprir boas praticas de direitos humanos, diversidade e inclusão.
  • Humanização das relações de trabalho. No artigo 24 da Declaração Universal de Direitos Humanos diz que “toda pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas”, entretanto essa não é a realidade da maioria das empresas hoje. Precarização, informalização, trabalho compulsório e infantil ainda acontecem em muitas fábricas e cadeias produtivas. No painel “Erradicar o trabalho forçado e o tráfico de pessoas – necessidade de acelerar ações de prevenção” foi trazido dois resultados de uma pesquisa realizada pelo grupo de trabalho: 1) O trabalho escravo acontece em redes de cadeias domésticas e não fora; 2) O trabalho escravo acontece quando há uma maior complexidade do trabalho realizado. Para combater o trabalho forçado o foco precisa ser a prevenção a partir de uma due dilligence forte e educação dos trabalhadores em relação aos seus direitos. Além disso, é necessário ainda, abordar as causas profundas do trabalho forçado, incluindo desigualdades, falta de educação, falta de oportunidades de mercado, empoderamento de comunidades vulnerabilizadas. Foi trazido como case de um recrutamento responsável a empresa Coca-cola e um chamado geral para as empresas se engajarem na Rede Global de Negócios sobre Trabalho Forçado da OIT. Por fim, foi trazido ainda o maior entendimento das empresas em relação às regras de trabalho para que práticas responsáveis de trabalho possam ser cumpridas. 
  • Due Diligence em direitos humanos aplicada às empresas que desenvolvem IA generativa. As empresas que desenvolvem IA generativa devem estar atentas a elementos críticos da due diligence em matéria de direitos humanos que estão hoje subestimados na discussão pública sobre as práticas empresariais, conforme consta no artigo liderado pela ONU B-Tech “Avançando no desenvolvimento e implantação de práticas responsáveis de IA generativa”. São elas: Prática 1) Conselhos e executivos identificando até que ponto o modelo de negócio e a estratégia da empresa acarretam riscos inerentes aos direitos humanos e tomando medidas para a sua resolução;  Prática 2) Incorporar a avaliação de riscos de direitos humanos — focada em todos os direitos humanos com priorização baseada na gravidade — nos métodos de trabalho e culturas típicas das empresas orientadas para o desenvolvimento de produtos que contemplem a IA generativa; Prática 3) Avaliar mitigações “técnicas” com foco nas pessoas em situação de vulnerabilidade ou marginalização; Prática 4) Construir e usar alavancagem de forma criativa para abordar riscos residuais e permitir a reparação de danos; e Prática 5) Envolvimento com as partes interessadas afetadas e especialistas em direitos humanos em todo o ciclo de due dilligence em direitos humanos.
  • Evolução na proteção de pessoas LGBTQIAPN+ e vulneráveis nas organizações. Isso significa um enfoque diferenciado em diversidade de gêneros, a garantia de que essas pessoas estão sendo escutadas e possuem lugar na mesa. Empresas estão ainda no estágio inicial de inclusão e, em poucos casos, olham para pessoas trans e não binárias. A necessidade de implementar regulamentações e práticas inclusivas que melhorem a qualidade de vida de pessoas minorizadas nas corporações. Além disso, assegurar a proteção especial em direitos humanos e direitos ambientais. O acesso à justiça e direitos de reparação que contemplem marcadores de gênero, raça e classe. Um outro aspecto levantado é o desenvolvimento de dados granulares que contemplem gênero e as suas intersecções, métricas de impacto em diversidade e o aprofundamento de indicadores, maior accountability das empresas do que está funcionando e o que não está funcionando. Ainda, o engajamento com todos os stakeholders para que não seja apenas um mero cumprimento de uma lista “checkbox”. Por fim, a necessidade das organizações em colaborarem com diferentes leis que possam ser harmonizadas para contemplar a complexidade da diversidade. 

Não tenho dúvidas que para enfrentar problemas complexos as soluções não serão simples, mas tenho certeza do papel fundamental que cabem às empresas em garantir e promover os direitos humanos, pois muitos abusos empresariais ainda persistem deixando trabalhadores e comunidades, incluindo povos indígenas, vulneráveis e com poucas perspectivas de proteção ou remédios para os danos causados. Por isso, a implementação dos Princípios Orientadores de Direitos Humanos e Empresas deve ser uma prioridade máxima da alta liderança em termos de governança e política, até que se torne parte efetiva da cultura de uma organização.

Compartilhe

Leia também

Receba notícias no seu e-mail