Search

Educação financeira: o engajamento das instituições supervisionadas pelo BC

Manoel Jordão
Foto: divulgação

Por Manoel Jordão, diretor líder do segmento de compliance e prevenção à lavagem de dinheiro da The Sharp Fintech Consultoria.

Notícias veiculadas recentemente destacam a preocupação de famílias com a inadimplência e o alto endividamento da população.

Segundo a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, cerca de 30% das famílias estavam inadimplentes em 2023.

Outro indicador dessa situação é a proporção de adultos negativados, que cresceu mais de 3% desde o final de 2022, de acordo com a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), atingindo cerca de 66 milhões de pessoas.

A educação financeira da população é considerada medida indispensável para consertar esse estado de coisas de maneira sustentável. Paliativos, como tabelamento de juros e programas de renegociação, tipo
Desenrola Brasil, atenuam o problema a curto prazo, mas não asseguram mudança de postura dos consumidores.

A abundante oferta de crédito por bancos, fintechs, outros emissores de cartão e o próprio comércio varejista, é vista como a principal causa, atingindo uma população desinformada e sem condições de disciplinar seus gastos.

Acusados de descuidados e promotores de oferta predatória de crédito, muitos agentes se preocupam em promover ações de educação financeira, em especial nos seus canais digitais. Da mesma forma que algumas associações de classe e federações patronais, inclusive por meio de códigos de autorregulação, que exigem tais compromissos de seus associados.

Histórico de inclusão financeira e o movimento do BCB

A inclusão financeira evoluiu rapidamente no Brasil, como atestam dados do Banco Central (BCB), extraídos do Sistema de Informações de Crédito (SCR), com destaque para o expressivo crescimento do número de pessoas com relacionamento com o sistema financeiro nacional, que passou de 138,5 milhões no final de 2016 para 175,9 milhões em outubro de 2023.

Evolução mais pronunciada ocorreu com os tomadores de crédito, considerando que o número de pessoas que utilizam produtos de crédito cresceu de 74,1 milhões no final de 2016 para 111,3 milhões em setembro de 2023.

Reconhecendo a educação financeira como um pilar fundamental para o desenvolvimento econômico e o bem-estar individual e coletivo de uma sociedade, englobando um conjunto de conhecimentos, habilidades e comportamentos que permitem às pessoas gerir suas finanças de forma consciente e eficaz, o BCB divulgou a Resolução Conjunta CMN BCB nº8 em dezembro de 2023.

Essa resolução dispõe sobre medidas de educação financeira a serem adotadas por instituições financeiras, instituições de pagamento e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB; entrará em vigor em 1/7/2024.

Por meio de diretrizes para a oferta de produtos e serviços financeiros relacionados à educação financeira, ela visa promover a transparência, a qualidade e a adequação das informações fornecidas pelas instituições financeiras aos consumidores.

Entre seus principais pontos, destacam-se a divulgação de informações claras e objetivas sobre os produtos e serviços financeiros, incluindo crédito, a oferta de ferramentas educacionais e de orientação financeira, e a promoção da capacitação dos profissionais do setor.

A despeito de eventuais iniciativas individuais em curso, a partir de 1/7/2024 as instituições deverão manter uma Política de Educação Financeira (PEF), direcionada a seus clientes e usuários pessoas naturais, com mecanismos de acompanhamento e controle, além de indicar um diretor responsável pelas obrigações elencadas na Res. Cjta 8/23.

O rito da PEF

A PEF deve considerar as especificidades de cada instituição, ou conglomerado, reconhecendo as diversas fases do relacionamento das instituições com seus clientes e usuários na definição de rotinas e procedimentos para a implementação de medidas de educação financeira.

Adicionalmente, deve ser compatível com o modelo de negócio, com a natureza das atividades da instituição e com a complexidade dos produtos e serviços oferecidos aos clientes e usuários.

Em setembro de 2019, o BCB divulgou princípios e diretrizes para as instituições atuarem em educação financeira, de forma a contribuir com a formação de poupança; a organização e planejamento do orçamento familiar; e a compreensão e o uso consciente de produtos e serviços financeiros, incluindo crédito. Quanto ao desenho das iniciativas, as instituições deveriam considerar: valor ao cliente; amplo alcance; adequação e personalização; e avaliação e aprimoramento.

A nova medida resulta da experiência acumulada pelo regulador desde a divulgação desse comunicado (34.201), definindo padrões mínimos para a educação financeira de clientes e usuários.

Por meio da Res. Cjta 8/23, amparada pelas medidas de acompanhamento e efetividade, a expectativa é que o quadro de inadimplência e superendividamento das famílias possa ser revertido, de forma perene.

Nesse cenário, a população estará apta a buscar equilíbrio entre receitas, despesas, investimentos e poupança.

O desafio será maior para as instituições de pequeno porte, com oferta de produtos e serviços de crédito, tendo como público-alvo pessoas de baixa renda, justamente a parcela mais carente dos usuários do
sistema financeiro.

Embora aparente ter sido motivada primordialmente pelo comportamento dos ofertantes e demandantes de produtos de crédito, as determinações da Res. Cjta 8/23 devem ser seguidas por todas as instituições sob supervisão do BCB.

Compartilhe

Leia também