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De assistente administrativa a diretora: minha jornada como mulher negra na TI

Foto: divulgação.

Por Erica Abreu, diretora de serviços LATAM da NTT Data.

Iniciar uma carreira profissional como mulher negra na área de Tecnologia da Informação (TI) foi um desafio e tanto. Há cerca de 20 anos, o cenário era totalmente diferente de hoje devido à falta de oportunidades e referências no mercado, o que, certamente, tornou o meu caminho mais árduo. No entanto, eu sempre soube onde queria chegar e tinha determinação suficiente para trilhar um caminho diferente e escrever a minha própria história.

Nasci em uma família humilde, sendo a irmã caçula entre seis irmãos. Desde cedo, vislumbrei trabalhar em escritórios e com computadores. Por ser muito jovem, não sabia exatamente em qual área trabalhar. Sempre tive muito apoio dos meus familiares e fui a primeira da casa a ter um computador. Não tardou até eu me matricular nos primeiros cursos técnicos de informática com cerca de 14 anos de idade.

Aproveitei cada oportunidade para colocar em prática os conhecimentos que adquiria nos cursos. Meu primeiro “emprego” foi na empresa da minha irmã. Naquela época, tentava automatizar o fluxo de notas fiscais, o banco de dados, entre outras coisas. Ia testando as minhas habilidades e vocações até trabalhar com um outro irmão fazendo essas mesmas coisas.

Alguns poucos anos se passaram até que vi um anúncio de vaga em um jornal de Osasco, onde morava. Eu tinha por volta de 17 anos quando me candidatei e passei na minha primeira entrevista de emprego para uma vaga de assistente administrativo. Tive mais uma oportunidade de colocar em prática as coisas que aprendi durante os cursos e os “estágios” nas empresas dos meus irmãos.

Mais alguns anos se passaram até eu conseguir uma vaga em uma famosa empresa de Telecom da época. Era minha estreia na área de Tecnologia da Informação. Ali, entendi melhor o oceano de oportunidades que a TI oferecia e que, se quisesse me destacar, ia ter que ralar muito. Fiquei na empresa o tempo suficiente para juntar dinheiro para pagar um intercâmbio no exterior. O inglês era fundamental para pavimentar a minha jornada.

O intercâmbio, que era para durar cinco meses, levou dois anos. No Canadá, estudava de dia e trabalhava à noite ) Perdi muito peso durante essa fase de estudos e trabalho até que a saudade da família me fez voltar para o Brasil. Ao chegar, fiz uma entrevista (em inglês) para trabalhar numa das maiores multinacionais do mundo e a recrutadora elogiou minha fluência na língua inglesa. O esforço valeu a pena e a vaga era minha.

Fiquei 16 anos nessa empresa e aproveitei cada oportunidade que me foi dada. Quando não tinha, eu caçava. Ficava até mais tarde no trabalho para conversar com pessoas fora do meu círculo de relacionamento diário, me voluntariava em projetos que estavam além do meu core de atividades, testava os conhecimentos que aprendia com os cursos e estudava as soft skills que os líderes que eu admirava tinham.

Todo esse esforço me levou até uma outra multinacional onde trabalho hoje. Entrei como gerente de um time de aproximadamente seis pessoas e atualmente somos mais de 300 colaboradores, incluindo América Latina.

Compreendi, desde muito cedo, que minha jornada seria marcada pela busca incessante por chances que me fizessem chegar onde estou atualmente. A falta de oportunidades e referências nunca foram motivos para desanimar. Pelo contrário, foi um estímulo para trilhar o meu próprio caminho e ser uma referência para outros que, assim como eu, enfrentam desafios semelhantes. É fato que atualmente o número de mulheres negras no mercado de TI é bem maior que quando comecei, mas ainda há muito o que melhorar.

A gente avançou, sim, mas ainda é notável a baixa representatividade de mulheres negras em cargos de liderança, seja em TI ou em qualquer outro setor. É claro que as empresas precisam fazer a parte delas, o de prover treinamentos e cursos direcionados para que esse público conheça as oportunidades que o segmento de Tecnologia oferece e permita formas de chegar lá. No entanto, também cabe às interessadas estudar, agarrar as chances, se dedicar para se firmar na carreira, inspirar e abrir portas para quem está chegando, a fim de tornar esse mercado ainda mais acessível e inclusivo.

Minha jornada é o testemunho de que a nossa trajetória não é somente determinada pelo ponto de partida nem pelos desafios que nos são impostos, mas também pela determinação e consistência. Outro ponto que as pessoas não conseguem perceber é que, geralmente, as oportunidades não chegam onde devem chegar. No entanto, quando elas aparecem, aproveitá-las é a nossa obrigação.

Que a minha história sirva de inspiração não apenas às mulheres negras aspirantes a profissionais de TI, mas a todas que almejam alcançar seus sonhos, independentemente das adversidades que possam surgir pelo caminho. Encontrem em mim uma voz, uma aliada, a sororidade que buscamos, para que juntas, uma segurando a mão da outra, possamos pavimentar caminhos nunca antes explorados.

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