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Democracia e saneamento: um compromisso inadiável para o futuro do Brasil

Foto: divulgação.

Por Milton Rego, presidente executivo da Abiclor e da Clorosur.

Maria vive no interior do Maranhão com seus 3 filhos pequenos: Inácio, João e Keila. Eles são cidadãos brasileiros dotados de direitos iguais, de acordo com a Constituição. Eles têm esperanças, sonhos e medos como todos nós. Mas estão longe de ser cidadãos iguais em um sentido abrangente. Na verdade, são membros de um grupo de brasileiros, entre 90 milhões de pessoas, que não têm acesso à coleta de esgoto adequada, conforme o Ranking do Saneamento 2024, do Instituto Trata Brasil (ITB). Outro problema alarmante é a falta de acesso a água potável, o qual atinge 32 milhões de brasileiros, segundo o ranking.

Por isso, essas crianças, se não morrerem por doenças de veiculação hídrica na idade infantil, provavelmente serão adultos com muitas faltas na escola, um desempenho insatisfatório, aprendizado comprometido, menor nível de renda e falta de oportunidades. Assim poderão estar vulneráveis a apelos autoritários, uma vez que a pobreza dessas pessoas está embutida nas próprias estruturas da sociedade e normalmente é mantida por uma distribuição desigual do poder político.

Nessa história, apenas os nomes são fictícios. A situação é mais real do que se imagina. A falta de saneamento é um problema da ordem da democracia.

Considerando que o Ranking do Saneamento investiga apenas os cem municípios mais populosos do Brasil, pode-se presumir que fora destas grandes cidades a situação é mais precária. A região Norte se destaca no cenário de urgência, registrando os piores índices de coleta adequada de esgoto. Cinco das suas capitais estão entre as 20 piores, com Porto Velho ocupando a última colocação, seguida por Macapá. As outras três na lista são Rio Branco, Belém e Manaus.

Esta situação de carência é frequentemente chamada de “pobreza” e, embora esta expressão possa nos levar a pensar que o problema é o dinheiro, refere-se a mais do que isso, significa falta de acesso aos próprios direitos. Por isso, é difícil levar a sério o futuro do Brasil quando essas comunidades não têm seus direitos garantidos e dependem de “favores” políticos como caminhões pipa e cestas básicas. Deste modo, estamos erodindo a relação do Estado com os indivíduos e abrindo caminho para o clientelismo.

Além desses direitos estarem expressos na nossa Constituição, o Brasil é signatário da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que elenca como objetivos prioritários do desenvolvimento sustentável a erradicação da pobreza, a disponibilidade de água e saneamento para todos. Estes elementos, junto com a educação, saúde e um nível de vida adequado, permitem às pessoas viver com dignidade e participar plenamente na sociedade.

Quando as pessoas não conseguem ter garantidos seus direitos fundamentais, perdem a oportunidade de participar plenamente na vida cívica. Por exemplo, o acesso à habitação e saneamento é crucial para a plena participação na sociedade. Uma casa com água tratada e esgoto oferece mais do que abrigo, gera a estabilidade que ajuda um adulto a manter seu emprego, permitir que seus filhos tenham saúde e participem da escola. Tudo isso é requisito para se ter dignidade, cidadania e pertencimento democrático de forma mais ampla.

Ser um país democrático significa ter políticas públicas que assegurem a proteção e a saúde das pessoas. Porém, a relação entre pobreza e democracia é complexa. Imagine a casa da Maria e seus filhos quando o Estado não provê o básico. “Meu voto não conta.” É o que pode pensar essa família que enxerga o Estado indiferente à sua falta de direitos. Apenas um governo democrático pode proporcionar uma oportunidade para os indivíduos exercitarem a liberdade de autodeterminação, ou seja, viverem conforme sua própria escolha.

A falta de oportunidades e recursos básicos pode levar à apatia social, à desconfiança nas instituições e à cooptação do voto por grupos de interesse, fragilizando os pilares básicos de uma sociedade. Sem falar que existe uma correlação entre a falta de saneamento e o dano ambiental, de modo que o seu combate também se mostra imprescindível para se buscar uma sociedade minimamente sustentável.

O sociólogo Richard Rothstein argumenta que as pessoas que vivem em países com baixa confiança social, corrupção e desigualdade têm “menor probabilidade de acreditar que os outros cidadãos obedecerão às regras”.

Além disso, os países com governos democráticos tendem a ser mais prósperos que os países com governos não democráticos porque ambientes políticos estáveis garantem mais investimentos econômicos de longo prazo, criando um ambiente propício para o crescimento econômico sustentável e a redução da pobreza.

Assim, por questão de desenvolvimento, dignidade humana, inclusão e representatividade social, o saneamento para todos é uma peça-chave para a nossa democracia. Um copo de água tratada não pode continuar a ser privilégio.

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