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Marketing polêmico: como as redes sociais substituem valores por estratégia

Virgilio Marques dos Santos
Foto: Isaque Martins

Por Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria.

Queridos leitores e leitoras, fui criado numa época pré-redes sociais. No meu tempo, quando começávamos a fazer coisas erradas para aparecer, logo alguém dizia: “quer aparecer? Pendura uma melancia no pescoço”. Minha avó sempre usava essa metáfora quando a bagunça escalava. E, ao depararmos com ela, refletíamos sobre a imagem e nos imaginávamos a desfilar pelo recinto com a melancia. Não era legal chamar a atenção por fazer algo errado ou estar “ridículo”.

Também sou do tempo em que a palavra tinha peso. Meu pai sempre nos falou: “vocês podem perder tudo, menos a sua palavra. Se combinou algo com alguém, faça. Não precisa ter contrato, testemunha, pai, mãe, diretor, nada. É só você e sua consciência; se apalavrou, cumpra independente se isso lhe trouxer perdas financeiras”.

Portanto, aprendi desde criança que não deveríamos mentir e nem sacanear as pessoas que confiaram em nós, tornando isso um valor. Portanto, nos meus valores e criação, aparecer por algo errado e mentir não são coisas boas.

Agora, em tempos de redes sociais, qual o melhor jeito de aparecer, hoje em dia? Como conseguir a tão sonhada atenção de pessoas cada vez mais ocupadas e bombardeadas por notícias e informações a todo momento? Fazendo exatamente o que aprendi ser errado. Aliás, algo que acreditava ser a pior atitude para alguém com hombridade e digno de confiança.

Como aparecer em redes sociais?

Esses dias assistia ao Marco Antonio Villa discorrendo sobre o mecanismo dos extremistas tornarem-se conhecidos. Segundo o professor, era fácil: bastava alguém fazer uma declaração absurda, de preferência sem provas.

Depois, quando o assunto estivesse sendo amplamente discutido, a pessoa aparecia novamente com uma declaração formal e enfadonha para se retratar. Dizia o Villa que a maioria das pessoas só lembraria da primeira declaração, enquanto àquelas mais bem formadas, da retratação. Ou seja, por essa fórmula, você conseguiria atenção de muitos a custo zero. E, apesar de sua reputação teoricamente sair chamuscada, ela poderia ser reparada com a retratação.

Imaginemos na prática. Seria como se eu, dono de escola, aparecesse falando que mulheres não podem ser líderes de empresas. Isso, é claro, sem fundamento nenhum. Após essa fala, muitos que acreditam nessa anedota, mas têm medo de expressá-la por receio de julgamento, me idolatrariam. Afinal, eu seria a “voz da razão” para eles, oferecendo a citação que faltava para fundamentar o preconceito que carregam, mas que precisam transferir para alguém.

Mas e os 99% que me condenaram? Simples: “meto o louco”, ou seja, faço uma retratação. Depois, eu me afasto da minha escola e coloco uma mulher no comando, deixando claro que essa instituição é um ambiente seguro para os 99% que me condenaram. Assim, me apresento como alguém que não tem compromisso com o erro.

Perceberam a jogada? E qual é o resultado desse jogo de soma zero na reputação? A economia de milhões e milhões de reais em publicidade.

Hoje, minha escola é conhecida por uns 2 a 3 milhões de pessoas, segundo uma pesquisa que fizemos. Para que mais pessoas me conheçam, eu preciso investir, seja fazendo vídeos, escrevendo artigos ou pagando por cliques em campanhas no Google e no Instagram, por exemplo.

Para conseguir a capa dos principais jornais de domingo, comentários infinitos em redes sociais e 4 dias de atenção total da classe A, B e C do país, o investimento mínimo seria de 50 milhões de reais.

Ficou claro agora o “código” utilizado, só para citar mais um malandro que usa e abusa dessa estratégia? Se preferir, posso citar outros, talkei? O resultado de uma aparente escorregada de alguém nas redes sociais é, na verdade, uma estratégia orquestrada para atrair marketing e publicidade gratuitos.

De repente, milhares de pessoas entrarão em contato com uma marca que já estava batendo teto de sua influência e a verão como uma empresa que está preocupada com as mulheres a ponto de demitir o seu CEO. Ele, por sua vez, “se afasta”, “repensa” e, após alguns meses de arrependimento, retoma à ativa. Será?

Fato é que milhares estarão a comentar sobre a idoneidade da empresa e, outros milhares, sobre a liderança do CEO. Ao final, todos os envolvidos ganham e você que, assim como eu, não abre mão dos seus valores, é ofuscado por quem topa tudo por dinheiro.

Afinal, mesmo sabendo dessa estratégia desde a primeira leitura do livro “Acredite, estou mentindo”, de Ryan Holiday, não teríamos coragem de fazer esse papelão, mesmo sabendo do lucro na última linha.

Se estivesse em um negócio que adotasse esse tipo de estratégia para bater as metas de crescimento, pediria demissão.

Afinal, estar em uma empresa cujos valores não compartilho, não é para mim. Deixo claro: não condeno quem o faça, afinal, não compactuo dos mesmos ideais pelo qual fui criado. Apenas não faria negócio nunca mais ou nem votaria em alguém que age assim. Porém, coerência é algo meio em falta hoje em dia. Vejamos.

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