Por Renata Watanabe, diretora de Risco da DM.
O mercado ainda está quantificando o impacto das bets – jogos de aposta online – entre os brasileiros, mas o cenário até o momento é preocupante. Segundo pesquisa do Instituto DataSenado, 42% dos brasileiros que dizem ter gastado alguma quantia em apostas esportivas ao longo de um mês estão endividados. De acordo com a CNC, mais de 1,3 milhão de pessoas ficaram inadimplentes devido às apostas, sendo que o perfil mais impactado é o público de baixa renda. Beneficiários do Bolsa Família já gastaram R$ 3 bi em bets. Para empresas financeiras, esses números são um grave sinal de alerta.
O risco é duplo: tanto os clientes quanto os colaboradores estão altamente sujeitos ao vício e ao endividamento por conta das apostas em jogos online. A preocupação é ainda maior para instituições que atuam com públicos socioeconomicamente vulneráveis – que podem ver as bets como uma oportunidade real de enriquecimento. Os jogos de azar, assim, tendem a atrapalhar as operações das empresas, seja pela queda do rendimento dos colaboradores que têm vício em jogos, seja pelo aumento na inadimplência. E o problema deve impactar o mercado como um todo, uma vez que o uso indiscriminado de crédito para apostas pode encarecer o custo do crédito, prejudicando até a população que não tem o hábito de apostar.
No que diz respeito aos colaboradores, pode ser difícil para uma empresa detectar a propensão ao vício em bets, mas é possível identificar trabalhadores que estão em risco de desequilíbrio orçamentário observando mudanças de comportamento. Se houver queda de produtividade, isolamento, aumento de tempos de ausência, ou solicitação de empréstimo consignado com frequência, é recomendável buscar um diálogo. Recomenda-se tentar entender o que está ocorrendo com o colaborador, oferecer alguma consultoria financeira e até mesmo direcionar para apoio psicológico. A realização de workshops e palestras sobre educação financeira pode também conscientizar os colaboradores dos riscos dos jogos de azar.
No trato com clientes, por sua vez, é possível identificar os que têm problemas com apostas por meio dos dados referentes a seus hábitos de consumo. O aumento repentino de gastos mensais e a menor recorrência de compras de determinados itens podem sinalizar que o dinheiro está sendo revertido para apostas. Se o cliente tinha o hábito de fazer compras no crédito, mas passou a solicitar empréstimo pessoal (que permite o pagamento de jogos de azar via Pix ou débito), também pode haver problema com bets. Em casos de inadimplência iminente, as empresas, além de enviar comunicados e instruções sobre o tema, podem enfrentar a situação restringindo a concessão de crédito, para impedir que o cliente se endivide ainda mais.
Forma saudável de jogar
É possível fazer apostas sem comprometer o orçamento? Ao menos em tese, sim. Para isso, é fundamental entender que as bets são formas de entretenimento, e não de ganhar dinheiro – seria como tirar o valor do cinema e do barzinho para jogar. Fazer apostas de forma saudável exige controle dos gastos, estabelecendo uma quantia máxima para esse tipo de entretenimento e honrando seus compromissos financeiros antes de despender valores com as apostas. É importante ainda limitar o tempo destinado às bets, para evitar comprometimento da rotina e das atividades profissionais. E acima de tudo, é imprescindível entender os riscos das apostas, conhecer as estatísticas dos jogos, avaliar se as plataformas de fato são seguras, e compreender que os jogos não são forma de enriquecimento fácil.
Aqueles que já estão enfrentando o endividamento por conta das apostas, precisam, primeiramente, reconhecer que têm um problema – a resistência em admitir o vício é, muitas vezes, o principal impeditivo para superá-lo. É fundamental procurar uma rede de apoio de amigos, familiares, ou até um profissional qualificado que lide com o aspecto psicológico da questão. Dependendo da situação, pode valer a pena passar para algum familiar fazer a gestão orçamentária, para que não seja possível ter mais gastos nessa linha. É recomendável ainda levantar todas as dívidas e começar a negociar com os credores. Um bom planejamento traçará formas de pagar as contas e evitar novos endividamentos. E é claro, é necessário desinstalar os aplicativos de bets, para que não haja reincidência.