Por Cris Kerr, fundadora e CEO da CKZ Diversidade.
A ideia de criar um fórum para dialogar apenas com homens sobre diversidade e inclusão surgiu de uma provocação que me desafiou a perceber uma oportunidade de um ponto de vista diferente do meu. Em uma reunião, o CEO de uma empresa em que eu fazia consultoria, e se tornou um amigo, me disse: “Você está falando com o público errado”.
Por dentro, fiquei incomodada com aquela provocação. Meu primeiro pensamento foi o de rejeitar. Automaticamente, quando alguém coloca um ponto de vista diferente do nosso, fechamos a nossa escuta e vamos buscar nossa argumentação. Como venho desenvolvendo a minha inteligência emocional há alguns anos, faço o contrário nessas horas, então respondi: “Fale mais”.
“Não são os homens que estão no poder?”, questionou o CEO. “Então é com eles que você precisa falar.” Ele tinha razão. Como falar de transformações reais sem incluir quem está em posição de mudar o sistema? Embora desconfortável no começo, aquele diálogo gerou algo motivador.
Esse exemplo é um retrato de como precisamos nos abrir para o que é diferente, mesmo quando isso nos tira da nossa zona de conforto. Ou seja, incorporar DIEP, Diversidade, Inclusão, Equidade e Pertencimento, que tanto buscamos levar para as instituições e organizações, também nas nossas vidas pessoais.
Naturalmente, buscamos conviver com pessoas semelhantes, que validem nossas crenças e ideias, afinal, assim nos sentimos em um ambiente mais seguro. É o que chamamos informalmente de bolha.
No almoço com pessoas de trabalho, nos eventos, nas redes sociais e até mesmo nos nossos grupos de WhatsApp, a tendência é nos cercarmos de quem é mais parecido conosco. Isso parece confortável, porém também nos limita profundamente.
Eu mesma já percebi várias vezes como é fácil cair nessa armadilha. Nos cursos que eu faço, quando vamos almoçar, costumo notar como os diferentes grupos se comportam. A tendência é buscarmos nossos semelhantes: pessoas negras se sentam juntas, os homens formam um grupo separado, as mulheres ficam em outro lado.
Seria natural para mim ir para a mesa com mais mulheres brancas, onde o papo tende a ser mais familiar. Mas sempre procuro ampliar meu horizonte. Passei a sentar na mesa dos homens, das pessoas negras, das pessoas com ideias, crenças e vivências diferentes da minha. E foi nesses momentos que surgiram os diálogos mais enriquecedores, em que realmente aprendi. A gente aprende muito mais com quem é diferente da gente, mas para isso precisamos ter empatia e principalmente escuta ativa.
Nos eventos que organizo, sempre faço uma dinâmica simples. Peço às pessoas para olharem ao redor e se perguntarem: “Estou sentado ao lado de alguém que já conheço?”. A maioria está. Então sugiro: depois do intervalo, voltem e sentem-se com uma pessoa que você não conheça, alguém que seja diferente. Parece uma sugestão boba, mas a verdade é que buscamos o familiar como um reflexo do nosso cérebro, que prefere a segurança e o conforto do conhecido. Romper isso exige esforço consciente.
Outro exemplo que me marcou foi o de um diretor que compartilhou como enfrentou uma situação com um padrinho de sua filha. O homem havia feito uma “brincadeira” ao dizer: “Nasceu mais uma, hein? Vai ser fornecedor!”. Uma frase carregada de machismo, tratando sua filha como um objeto.
Em vez de reagir com agressividade, o diretor optou por um caminho mais reflexivo. Disse ao padrinho: “Você ama minha filha como se fosse sua? Então por que trataria ela como um objeto?”. Esse diálogo, que começou com desconforto, terminou com um pedido de desculpas sincero e com mais conscientização.
Furar nossas bolhas exige exatamente isso: esforço, reflexão e, muitas vezes, um desconforto inicial. Reconhecer que preferimos o conhecido é o primeiro passo. Quando não convivemos com o diferente, acreditamos que tudo está bem. Achamos que racismo, machismo, homofobia ou qualquer outro preconceito, são problemas resolvidos. Mas, ao escutar verdadeiramente as histórias e as experiências de quem vive essas realidades, percebemos o quanto ainda há para mudar.
Esse aprendizado vale para todos os âmbitos da vida. Até mesmo o que consumimos em casa, como livros, filmes e séries, pode ser enviesado pelos algoritmos que reforçam o que já gostamos. Romper a bolha não é só conviver com pessoas diferentes; é também expor nossa mente a ideias e perspectivas novas.
O desafio de furar nossas bolhas é constante, mas os ganhos são imensos. Abrir-se ao novo amplia nossa empatia, desconstrói preconceitos e nos faz crescer como pessoa. Então, eu pergunto: quem você tem convidado para o seu círculo? Que livros ou filmes têm desafiado suas crenças? Que tal começar hoje a furar sua bolha? O mundo é muito maior do que as fronteiras que criamos ao nosso redor.