Por Sabrina Ferrari, vice-presidente do departamento Jurídico e Regulatório da Hughes do Brasil.
Os escritórios e departamentos jurídicos sempre exerceram funções estratégicas dentro das organizações, dialogando diretamente tanto com os Sócios e o próprio Conselho, como com as equipes de marketing, operação, comercial, finanças, contábil, logística ou recursos humanos e tantas outras que as organizações comportarem.
Ao mesmo tempo, de maneira até paradoxal, advogados e bacharéis em Direito enfrentam uma conjuntura de afastamento, historicamente estigmatizados por executivos, funcionários, parceiros e clientes como integrantes dissonantes do meio corporativo. Para reverter esse ruido na comunicação, é urgente questionar: como, para que e para quem estamos nos comunicando.
Na faculdade, nos cobram aprender os chamados brocardos jurídicos, expressões que sintetizam situações comuns, geralmente, em latim e que, em tese, demonstraria o aprofundamento de conhecimento técnico jurídico do advogado.
A comunicação plena e compreensível, capaz de difundir boas ideias e aproximar pessoas, foi sendo colocada a segundo plano por um formalismo antiquado, esnobe e cansativo.
A boa notícia é que o Direito vem incorporando elementos que contribuem para interações mais objetivas e acessíveis nas empresas e fora delas.
A união com o design vem desencadeando uma quebra de paradigmas que possibilita ao Jurídico tratar de temas como compliance, LGPD, governança, relações governamentais e ESG de maneira mais descomplicada, humana e cativante.
Entre as técnicas mais difundidas está o Legal Design, que busca usar as facilidades trazidas pela tecnologia e o design para democratizar o acesso a documentos jurídicos tradicionalmente densos e complexos para a maioria das pessoas.
Outro conceito que vem ganhando mais adeptos nos departamentos jurídicos das empresas é o Visual Law, uma ramificação do Legal Design que usa elementos gráficos como cores, vídeos, fluxogramas e outras representações visuais para simplificar conceitos complexos em informações mais acessíveis.
E o melhor: é nesse campo que podemos e devemos ser criativos, experimentando novas abordagens para tornar o conteúdo mais atraente para uma audiência diversificada e exigente.
Assim, o excesso de formalismo está sendo substituído por elementos sensoriais (visuais ou mesmo auditivos) com linguagem descomplicada, contribuindo para que a mensagem que queremos transmitir seja de fato recebida e assimilada pelo nosso público-alvo.
Uma pesquisa da Universidade de Stanford já havia mostrado que 97% das pessoas não leem os contratos que assinam, quase sempre por se sentirem desmotivadas pela complexidade do ‘jurisdiquês’ e extensão do seu conteúdo.
Foi o gatilho que precisávamos para criar pela primeira vez no Brasil um contrato por áudio para um serviço de internet via satélite. Para fugir da narração automática, nosso áudio contrato passou por uma cuidadosa supervisão na entonação da voz e cadência de leitura, separação por assunto, tudo para deixar a experiência mais humana e atraente.
Uma solução simples e eficiente para aproximar a empresa dos assinantes e ainda reduzir eventuais distratos motivados pela falta de compreensão dos termos e condições do contrato.
Ainda com esse espírito, implementamos o Compliance Day, um dia para falar de políticas e diretrizes legais de forma lúdica e bem-humorada com linguagem teatral ou em forma de jogos.
Funcionários e membros da diretoria que antes encaravam o treinamento de compliance com certo desânimo, passaram a dar feedbacks positivos, uma vez que ficou mais fácil reconhecer a aplicabilidade das normas no dia a dia do negócio.
A gammificação do juridiquês também está sendo bastante explorada pelo time de Privacidade, que por meio de jogos on-line trouxe conscientização com o treinamento para todos os colaboradores da empresa.
E toda essa transformação se iniciou com um curso nada jurídico: design thinking. A cada dia torna-se mais evidente a necessidade de recorrer a soluções criativas e novas tecnologias para solucionar (ou evitar) conflitos jurídicos que sempre desafiaram os operadores do Direito.
É preciso reconhecer que a complexidade inerente ao campo jurídico torna a tarefa desafiadora. Afinal, as leis são repletas de detalhes intrincados, linguagens técnicas e abordagens multi interpretativas.
Engajar funcionários, parceiros e clientes é complexo, porém, torna-se imperativo que os profissionais traduzam conceitos e se empenhem para facilitar a compreensão do público. A coragem para enfrentar este desafio fortalece a reputação e a confiança no Direito como agente transformador, seja nas empresas, seja perante toda sociedade.