Por Mariana Damiati, sócia diretora de cultura e transformações organizacionais da Crescimentum.
Nos últimos anos, a pauta da sustentabilidade conquistou espaço nas agendas corporativas. Mas, ao falar sobre o futuro sustentável, ainda é comum limitarmos o debate às metas de carbono zero, relatórios ESG ou compromissos ambientais.
No entanto, há uma dimensão menos visível, e talvez ainda mais urgente, que muitas vezes fica de fora: a sustentabilidade das relações humanas dentro das organizações.
Não existe negócio sustentável se as pessoas estão adoecendo. Não há futuro promissor em ambientes tóxicos, culturas contraditórias ou lideranças mais preocupadas em cobrar do que em cuidar.
E é justamente aqui que o RH assume um papel central: o de moldar culturas, transformar dinâmicas e liderar a transição para empresas mais humanas e verdadeiramente sustentáveis.
Ser humano e sustentável não é abrir mão de resultados, é criar as condições para que eles se tornem possíveis e duradouros.
Trata-se de construir ambientes onde performance e saúde mental coexistem. Onde decisões são tomadas com base em valores reais. Onde o propósito deixa de ser um slogan bonito e passa a orientar, de fato, as escolhas e comportamentos cotidianos.
Pode parecer abstrato à primeira vista. Por isso, vale recorrer a exemplos práticos:
- Uma empresa humana não trata burnout com palestras motivacionais. Ela revê a forma de cobrar resultados, reconhece esforços e treina líderes para identificar sinais de exaustão antes do colapso;
- Uma empresa sustentável não se limita a campanhas pontuais de diversidade. Ela revisita seus processos de promoção, escuta ativa e avaliação de desempenho para garantir que a inclusão aconteça de verdade;
- Uma empresa que valoriza as pessoas não se resume a oferecer um ‘day off’ no aniversário. Ela cultiva um ambiente de segurança psicológica onde é possível discordar, propor e se desenvolver.
E os dados confirmam o que muitos profissionais já sentem na prática: empresas humanas performam melhor.
Segundo o Gartner (2024), mais de 70% dos profissionais consideram o bem-estar emocional e a segurança psicológica como fatores decisivos para escolher, e permanecer em, uma organização.
Já a McKinsey aponta que culturas organizacionais saudáveis tornam uma empresa três vezes mais propensa a superar seus concorrentes em inovação, engajamento e rentabilidade.
Ou seja: cuidar de pessoas não é apenas uma pauta de “gente”. É uma estratégia de negócio. Se queremos empresas mais perenes, éticas e relevantes, o RH precisa olhar para dentro antes de olhar para fora. É preciso coragem para desafiar modelos de gestão ultrapassados.
Coragem para sair da operação e ocupar o centro da estratégia, para colocar a pauta da humanidade na mesa de decisões, mesmo quando ela parece “menos urgente” do que os números do trimestre.
Acredito que essa transformação passa por três frentes fundamentais:
- Traduzir valores em práticas reais: incorporar os valores organizacionais nos rituais, processos, decisões e sistemas. Da contratação ao desligamento, é preciso coerência entre o discurso e a prática;
- Desenvolver lideranças e protagonistas culturais: formar líderes que escutam, cuidam, promovem autonomia e reconhecem o coletivo, sem abrir mão dos resultados;
- Cuidar da saúde organizacional: não se trata apenas de benefícios. Mas de segurança psicológica, práticas inclusivas, gestão humanizada de performance e clareza de expectativas.
Na era da inteligência artificial e da hiperautomação, o paradoxo é claro: o diferencial competitivo mais relevante será cada vez mais humano. Não é a tecnologia que uma empresa adota que determinará seu sucesso, mas a humanidade que ela consegue preservar.
Empresas mais humanas e sustentáveis não apenas possíveis, são necessárias. E essa construção começa, e se sustenta, no RH.