Por Daniel Lasse, CEO na Value Capital.
A decisão de vender uma empresa familiar que carrega o esforço de gerações vai muito além de uma simples transação financeira. Para muitos fundadores, o negócio não é apenas uma fonte de renda, mas um reflexo de sua história e valores. Segundo uma pesquisa da PwC, 85% dos proprietários consideram a empresa familiar como uma extensão de si mesmos ou da família, enquanto 62% veem o negócio como um legado a ser preservado.Isso explica a complexidade emocional envolvida nessa transação, uma vez que ela pode gerar sentimentos relacionados à perda de identidade e ruptura de propósito.
Durante a negociação, surgem dúvidas que vão muito além do valor ideal e justo. O desafio emocional mais recorrente é o medo do arrependimento, que traz incertezas sobre se a decisão foi correta. Muitos empreendedores ficam paralisados pela insegurança de que, no futuro, poderiam ter alcançado melhores resultados se tivessem mantido o controle. Por isso, é comum escutarmos questionamento como “será que o novo dono preservará a cultura construída ao longo dos anos?” ou confissões de inquietudes pessoais como “de que forma vou lidar com o vazio deixado por algo que consumiu décadas da minha dedicação?”.
Talvez o aspecto mais delicado desse apego emocional seja a perda de identidade. Para alguns fundadores, especialmente os que construíram a empresa do zero, o sucesso do negócio está intrinsecamente ligado à sua autoestima e propósito de vida. Vender pode gerar então uma crise existencial, como se parte de si estivesse sendo deixada para trás.
Essa ansiedade e preocupação são agravadas pelo fato de que, em negócios familiares, as decisões nunca são puramente racionais. Um levantamento da PwC revela que, em empresas com este perfil, 62% têm confiança entre os membros da família e 26% têm divergências, sendo que apenas 23% possuem algum mecanismo de resolução de conflitos. Quando interesses pessoais se misturam ao futuro do negócio, essas divergências – que podem surgir tanto na discussão sobre o destino dos recursos captados, quanto no papel de cada um no pós-venda – são capazes de gerar conflitos que se arrastam por anos, deixando marcas profundas nas relações. Sendo assim, pelo teor pessoal da transação, é preciso ter muita cautela durante o processo.
Para além do âmbito familiar, a conexão emocional com o negócio se manifesta também na relação próxima que o fundador mantém com clientes, funcionários e fornecedores. Há um temor genuíno de que, sem sua presença, a essência da empresa se perca. Por isso, são recorrentes casos de empreendedores que rejeitaram ofertas financeiramente vantajosas simplesmente porque não confiavam que o comprador daria continuidade àquilo que foi construído com tanto cuidado.
É nesse contexto que a atuação de consultores especializados se torna fundamental. Mais do que assessorar tecnicamente a transação, eles ajudam a equilibrar razão e emoção, trazendo clareza para decisões que, do contrário, poderiam ser tomadas com base apenas no apego sentimental. Um bom consultor sabe que, além de números e contratos, é preciso considerar valores intangíveis, como a preservação da cultura organizacional e a escolha de um comprador que respeite a história por trás da empresa. Em muitos casos, ele assume um papel quase terapêutico, ajudando o empresário a separar o que é fato do que é medo ou insegurança.
Outro ponto crítico facilitado por esses profissionais é a comunicação entre os membros da família. Neste núcleo, as decisões raramente são unânimes, e divergências sobre o futuro do negócio podem criar situações desconfortáveis. Os consultores de M&A atuam como mediadores, estabelecendo regras claras sobre quem participa das decisões, como os recursos serão distribuídos e qual será o papel de cada um após a transação. Essa estruturação é essencial para evitar que conflitos pessoais sabotem um processo que deveria ser estratégico.
Após a venda, a adaptação à nova realidade também exige um planejamento cuidadoso. Mais do que celebrar o fechamento do negócio, é preciso pensar no que vem depois. Um acompanhamento pós-transação – seja para gerir o capital recebido, ou para redefinir metas pessoais – faz toda a diferença. Para muitos empresários, a reinserção no mercado como investidores ou conselheiros é uma forma de manter-se ativo sem o peso da operação diária. Em parte destas transações, ainda é comum que o fundador fique com uma cadeira no conselho da própria empresa, para apoiar a transição, e alguns herdeiros sigam como pequenos acionistas da companhia, que passa a ser gerida por uma governança corporativa.
Embora exista o preconceito por parte de alguns empreendedores brasileiros de que vender uma empresa pode transparecer um final de fracasso, na realidade, quando apoiada por especialistas e bem sucedida, essa transação é uma oportunidade para o fundador dedicar sua atenção para projetos pessoais e profissionais que antes não tinha tempo. Nesta nova fase, ele possui experiência, disponibilidade financeira e agenda para finalmente colocar em prática aquilo que vinha adiando e encontrar felicidade neste novo caminho.
Sendo assim, a venda de uma empresa familiar nunca será apenas uma transação comercial. É o fechamento de um ciclo e o início de outro, é o momento de realização, que pode ser igualmente rico se encarado com preparação emocional e visão de futuro.