Por Sérgio Drumond, diretor de engenharia da Tractebel.
Em tempos de orçamentos apertados e restrições de investimento, gestores de grandes projetos enfrentam o desafio de fazer mais com menos. No Brasil, cortes recentes no orçamento de infraestrutura ameaçam paralisar obras importantes – cerca de R$ 2 bilhões em serviços rodoviários podem ficar sem pagamento, gerando risco de interromper projetos estruturantes em andamento, por exemplo.
Diante desse cenário, ganha evidência a engenharia de valor (EV), uma metodologia estratégica que busca maximizar o valor de projetos ao otimizar recursos sem comprometer a qualidade final. A essência da EV está em identificar todas as necessidades essenciais de um produto ou projeto, eliminar custos desnecessários, adotando as melhores práticas de engenharia e tecnologia de forma a manter o desempenho requerido. Em outras palavras, trata-se de encontrar o melhor balanço entre custo, qualidade e benefício: reduzir gastos supérfluos garantindo a entrega do valor e da qualidade desejados.
Criada no pós-guerra, em 1947, o conceito de engenharia de valor desembarcou no Brasil na década de 70, e ganhou relevância a partir dos anos 80. Nos últimos anos, frente aos desafios de investir em infraestrutura de forma eficiente, a EV ganhou relevância como ferramenta estratégica – especialmente em setores como infraestrutura de transportes, energia, saneamento e mobilidade urbana.
Consolidada no mundo, ainda em expansão no Brasil
No cenário internacional, a Engenharia de Valor já é prática consolidada. Nos Estados Unidos, desde 1959 há leis exigindo EV em obras públicas – o Pentágono, por exemplo, incorporou a metodologia em todos os projetos do Departamento de Defesa. Apenas no setor de rodovias (Federal Highway Administration), mais de 12 mil estudos de EV foram realizados ao longo de 40 anos, gerando cerca de US$ 120 bilhões em economias. Países europeus adotaram normas específicas (como a EN 1325 na UE) e no Reino Unido a EV integra a sistemática de entrega de projetos desde 2001, para garantir objetivos estratégicos em grandes obras públicas. No Japão, sua aplicação é mandatória em serviços municipais e amplamente utilizada na indústria.
No Brasil, apesar de a EV ser conhecida, seu uso ainda não é tão difundido quanto poderia. Especialistas apontam que muitas vezes há banalização da metodologia, restringindo-a a ações pontuais de redução de custo, sem empregá-la em todo seu potencial estratégico. Também pesa o fator cultural: espera-se retorno imediato, e nem sempre as organizações investem tempo e recursos na fase de planejamento – quando o conceito de Engenharia de Valor deve ser aplicado. Ainda assim, isso vem mudando gradualmente.
Grandes empresas de engenharia e construção no país vêm incorporando a EV em seus processos para ganhar competitividade. Surgem também consultorias especializadas em EV, potencializando as possibilidades de implementação da metodologia.
Um ponto importante é que a Engenharia de Valor tem sinergia com demandas bastante atuais, e relacionadas à ESG: otimizar recursos também significa reduzir impactos ambientais e sociais negativos. Projetos mais enxutos consomem menos insumos naturais e geram menos resíduos; cronogramas otimizados causam menos transtorno às comunidades; soluções criativas podem até melhorar indicadores ambientais. Assim, a Engenharia de Valor contribui para que os projetos sejam não apenas economicamente eficientes, mas também sustentáveis – requisito cada vez mais presente em financiamentos e licenças.
Saneamento básico: benefícios com projetos otimizados
O setor de saneamento enfrenta metas ambiciosas de universalização, exigindo eficiência máxima nos investimentos. O Novo Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026/2020) estabeleceu a meta de, até 2033, termos 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto. Para atingir esse objetivo, estimativas do governo apontam que são necessários cerca de R$ 700 bilhões em investimentos até 2033 (aproximadamente R$ 50 bilhões por ano).
Trata-se de um desafio gigantesco de engenharia e financiamento. Nesse contexto, a Engenharia de Valor desponta como aliada fundamental para “fazer mais com menos” em saneamento, garantindo que cada real investido resulte no máximo de expansão de rede e qualidade de serviço. A aplicação da EV em saneamento se dá desde o planejamento de sistemas até a execução de obras.
Por exemplo, em estudos de sistemas de abastecimento de água, analisa-se trajetos de adutoras e redes de distribuição buscando rotas mais curtas ou que evitem obstáculos onerosos, como atravessamentos complexos, reduzindo metros de tubulação sem prejudicar o atendimento aos bairros. Também se avaliam materiais de tubulação e equipamentos de bombeamento: às vezes, trocar um material por outro de custo menor (PVC no lugar de ferro fundido, por exemplo) pode ser viável em certos trechos, ou adotar bombas mais eficientes energeticamente traz economia operacional futura.
No caso de sistemas de esgoto, a EV pode propor redesenhar o traçado de coletores para aproveitar declividades naturais do terreno – fazendo o escoamento por gravidade e, assim, diminuir a necessidade de estações elevatórias. Cada estação de bombeamento eliminada representa economia tanto de obra civil quanto de custo elétrico na operação ao longo dos anos. Outro aspecto é o dimensionamento correto: projetos superdimensionados (com capacidade muito acima da demanda inicial) amarram capital desnecessário.
A EV ajuda a calibrar a capacidade de estações de tratamento de água/esgoto faseando a implantação – atendendo a população atual e prevendo ampliações modulares conforme o crescimento, ao invés de construir tudo de uma vez. Essa estratégia de “just in time” no saneamento evita gastos antecipados sem utilidade imediata, liberando recursos para cobrir outras áreas descobertas.
Engenharia de valor no setor de energia: redução de custos e riscos
No setor de energia, que abrange geração elétrica, transmissão/distribuição, petróleo e gás, a Engenharia de Valor também vem desempenhando um papel estratégico. Projetos de energia costumam ser intensivos em capital e tecnologia, com longos ciclos de vida – por isso, otimizações na fase de projeto podem resultar em economias milionárias ao longo dos anos de operação. A EV é aplicada tanto em infraestruturas de energia convencionais (usinas, redes de transmissão, refinarias) quanto em projetos de energias renováveis e eficiência energética.
Um exemplo claro está na planificação de sistemas elétricos: empresas de consultoria em energia realizam revisões de engenharia de valor para reduzir riscos e maximizar a redução de custos, sempre atendendo aos rigorosos requisitos de segurança operacional e ambiental. Isso pode significar, por exemplo, otimizar o arranjo de subestações para diminuir perdas e usar equipamentos mais confiáveis e eficientes.
Da mesma forma, em projetos de geração, a EV ajuda a definir a configuração ótima: número e posicionamento de aerogeradores, tipo de fundação com menor custo, porém adequada ao solo, ou o espaçamento entre placas solares que maximize a geração pelo menor custo de instalação.
Em perspectiva, o Brasil pode ampliar significativamente o uso da Engenharia de Valor nos próximos anos: a difusão de benchmarkings públicos e casos de sucesso deve estimular sua adoção. É possível que, no futuro, que grandes empreendimentos de infraestrutura passem a exigir estudos de Engenharia de Valor em suas etapas de aprovação – semelhante ao que ocorre nos EUA e UE, onde é comum órgãos contratantes solicitarem uma “revisão de valor” independente antes de bater o martelo em um projeto caro. Essa institucionalização traria economia aos cofres públicos e profissionalização ainda maior ao setor.
Por fim, a Engenharia de Valor representa uma mudança de mentalidade: sair do modo reativo (corrigir problemas depois que surgem) para o modo proativo e preventivo, atacando as ineficiências na origem. Em um país com tantas necessidades de infraestrutura de qualidade — rodovias mais seguras, energia confiável, água e esgoto para todos, transporte urbano digno — cada ganho de valor conta. A experiência já mostra que a Engenharia de Valor pode trazer esses ganhos; cabe a nós expandir e consolidar sua aplicação para construirmos um Brasil com obras bem-sucedidas, entregues no prazo e que realmente melhorem a vida da população, sem desperdícios. Esse é o verdadeiro valor entregue pela engenharia.