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Pink money e o “marketing da farsa”: até quando vamos aplaudir marcas oportunistas? 

Foto: divulgação

Por Luciana Lancerotti, consultora e palestrante na área de marketing com práticas sustentáveis para o mundo corporativo.

Todo ano é a mesma coisa: chega junho e, de repente, todo mundo vira aliado. Os logotipos ganham as cores do arco-íris, as vitrines viram templos da diversidade e o feed corporativo se enche de frases prontas sobre amor, respeito e inclusão.

E, à meia-noite de primeiro de julho, volta tudo ao “normal”. É aqui que mora o problema: por trás do glitter (ecológico, por favor!) e das hashtags, o que sobra é uma pergunta incômoda: até quando a gente vai bater palma para marca que só apoia quando é conveniente? Que só defende causas sociais e ambientais quando dá curtida e prêmio de marketing?

Vamos falar sério? Isso tem nome – e não é “engajamento”; é oportunismo. Queria poder ser mais suave e branda nesta abordagem, mas como estamos falando de respeito e justiça, não dá para contornar. Esses são, pra mim, os verdadeiros marcos de virada para um mundo melhor.

O arco-íris que não está na prática

Antes de mais nada, e até pra explicar por que este tema me inquieta tanto, deixo a pergunta: você sabe o que é pink money? O termo é usado para se referir ao poder de consumo da comunidade LGBTQIAPN+, e, como qualquer força de mercado, virou alvo de interesse comercial.

Trazendo agora para o contexto do artigo, o pink money e tantas outras causas sociais viraram linha de produto. Viraram discurso de ocasião – o conhecido “diversity washing”.

E o que a gente vê é um desfile de campanhas que emocionam, mas não se sustentam na prática. Marcas que falam de orgulho LGBTQIAPN+ e continuam patrocinando quem propaga discurso de ódio. Que lançam linha “eco” e mantêm cadeia produtiva tóxica. Que compartilham post antirracista e não têm um único líder de grupos minoritários na companhia.

E não dá mais pra fingir que não sabemos. Pesquisa da NielsenIQ de 2024 mostrou que os lares com ao menos uma pessoa LGBTQIAPN+ – chamados de “Rainbow Homes” – movimentaram R$18,7 bilhões no varejo brasileiro no ano móvel até o primeiro trimestre de 2024. Isso representa um crescimento de 39% em relação ao ano anterior. O ticket médio dessas famílias é 27% maior no e-commerce. Ou seja: dá lucro – e muito. 

É fácil estampar arco-íris em junho. Difícil é bancar a diversidade no restante do ano, na contratação, na política de promoção, nas decisões estratégicas. 

A gente precisa começar a olhar de verdade para temas sensíveis. E não estou dizendo que o marketing seja o vilão da história: a comunicação tem poder de transformação, sim. Mas, quando usada de forma rasa, ela reforça exatamente o que diz querer combater. Sem lastro, a narrativa vira maquiagem. E a gente sabe: maquiagem não cura ferida.

Vamos buscar consistência?

Se você é líder e sua marca diz que acredita em inclusão, reflita: sua cultura confirma isso? Sua comunicação acompanha? Sua equipe entende o que isso significa na prática?

Leve o tema para os treinamentos. Crie vagas afirmativas. Ouça especialistas. Transformar ambientes demanda energia de mudança – e aprendizado constante.

Como gosto sempre de lembrar: não é mais sobre culpa ou revolta. É sobre atitude. E sobre o pink money (ou qualquer outra prática de washing), também é sobre não fingir que não estamos vendo.

Fica aqui o convite – ou o incômodo, se preferir: romantizar marcas que performam causas sociais sem compromisso real é retroceder na nossa evolução como seres humanos.

Apoio não é estética, é ética. E está mais do que na hora de sermos todos responsáveis por um movimento verdadeiramente sustentável.

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