Por Fernanda Rodrigues, CHRO da GFT Technologies na América Latina.
Nos últimos meses, temos acompanhado um movimento que beira o retrocesso: a pressão crescente, no Brasil e no mundo, pelo retorno integral ou majoritário ao trabalho presencial.
Essa demanda, muitas vezes impulsionada por percepções ultrapassadas de controle e produtividade, ignora não apenas os aprendizados mais valiosos do período pós-pandêmico, mas também as profundas transformações que moldaram a vida e a carreira de milhões de profissionais.
Como líder de RH em uma multinacional de tecnologia e transformação digital, posso afirmar com segurança: produtividade não está, e nunca esteve, atrelada à presença física constante.
Controlar não é o mesmo que engajar. Um colaborador engajado é aquele que se sente valorizado, respeitado e escutado, e isso independe do CEP de onde ele trabalha.
Segundo um estudo, existe um “delta de otimismo” significativo entre o que líderes acreditam funcionar bem no modelo presencial e o que os colaboradores realmente vivenciam.
Enquanto 90% dos líderes acreditam que a conectividade está funcionando, apenas 67% dos funcionários concordam. Essa desconexão mostra que muitos líderes avaliam o desempenho com base em métricas visuais, o famoso “te ver trabalhando”, enquanto ignoram aspectos mais profundos de motivação, bem-estar e autonomia.
Além disso, o retorno indiscriminado ao escritório traz impactos que vão muito além das paredes corporativas. Estamos falando de aumento no trânsito, na poluição e no consumo urbano concentrado, questões que se relacionam diretamente com as metas de ESG que tantas empresas dizem defender.
Houve uma redução significativa desses impactos durante o período de trabalho remoto, e agora vemos um movimento contrário, pouco discutido em profundidade.
A tecnologia permitiu a descentralização da mão de obra e, com isso, uma distribuição de talentos muito mais equitativa pelo país. Conseguimos contratar pessoas incríveis no Norte e no Nordeste, por exemplo, talentos que não teriam essa chance se a exigência fosse viver nos grandes centros.
Agora, exigir retorno presencial significa, na prática, excluir essas pessoas. É uma perda imensa, não só de diversidade, mas de inteligência, criatividade e inovação.
É claro que há nuances. A experiência presencial pode ser importante, especialmente no onboarding, como mostrou uma pesquisa da Microsoft, que indicou que mesmo pequenos encontros mensais com os gestores podem melhorar a integração e o sentimento de pertencimento.
No entanto, isso não justifica jornadas diárias no escritório. O mesmo estudo apontou que presença excessiva pode prejudicar a produtividade e o alinhamento com a equipe.
Estamos diante de uma nova era que exige modelos mais humanos, flexíveis e adaptáveis. Trabalhar de forma híbrida ou remota é, cada vez mais, uma prioridade para os profissionais.
Um estudo recente das universidades de Harvard, Johns Hopkins e Illinois mostrou que muitos trabalhadores aceitariam até 25% de redução salarial para permanecerem em modelos não-presenciais. Isso não é só um número: é um alerta.
Esses dados também revelam que a flexibilidade se tornou mais do que um benefício, é uma necessidade valorizada acima de compensação financeira.
Para profissionais de tecnologia, que frequentemente migraram para outras cidades durante a pandemia, refizeram suas vidas longe dos grandes centros urbanos e estabeleceram novos equilíbrios entre vida pessoal e profissional, a imposição do retorno presencial representa uma ruptura significativa.
Dados recentes mostram que as visitas aos escritórios nos Estados Unidos permanecem 32,2% abaixo dos níveis de março de 2019, uma mudança mínima em relação aos 35,9% de março de 2024. Isso indica que, apesar do discurso sobre o retorno ao presencial, a transformação estrutural do trabalho é irreversível.
Cidades como Nova York lideram a recuperação com apenas 11,4% de redução em relação aos níveis pré-pandemia, enquanto São Francisco e Chicago ainda estão 44,6% abaixo. Essa disparidade reflete não apenas políticas corporativas, mas mudanças demográficas e econômicas fundamentais.
Na GFT, não temos a intenção de impor um modelo presencial. Nosso mindset valoriza a autonomia, a responsabilidade e a confiança. Sabemos que há clientes com outras demandas e, nesses casos, buscamos equilíbrio, mas não sacrificamos nossa cultura ou nossa capacidade de atrair talentos por uma nostalgia do “escritório cheio”.
É necessário falar também sobre saúde. Não só a física e a mental, mas a saúde social, conceito que ganha força entre especialistas como Kasley Killam, de Harvard.
Conexões humanas genuínas importam, sim, mas elas não dependem de estarmos todos, todos os dias, no mesmo lugar físico. O futuro do trabalho passa pela criação de rituais e estruturas centradas nas pessoas, que promovam vínculos, pertencimento e propósito, independentemente do modelo adotado.
O design do trabalho precisa ser centrado nas pessoas. Isso significa escutar, adaptar e co-construir ambientes, físicos e digitais, que promovam bem-estar e alto desempenho. Flexibilidade já não é um diferencial. É uma exigência. E quem não entender isso, corre o risco de perder os melhores talentos para quem entendeu.
Assim, o futuro do trabalho será determinado por organizações que conseguirem equilibrar flexibilidade com conexão, autonomia com colaboração, e produtividade com sustentabilidade.
Estamos em um ponto crítico de decisão. Podemos optar por um caminho de controle e regressão, baseado em percepções desatualizadas, ou podemos avançar, acolhendo a complexidade e as possibilidades do mundo híbrido.
O presencial tem seu valor, mas ele precisa ser repensado, com propósito claro e respeito à realidade de cada profissional. Aquelas organizações que insistirem em modelos rígidos de controle presencial correm o risco de ficar para trás na guerra por talentos e na construção de culturas verdadeiramente engajadas.
Transformação digital não é só sobre tecnologia. É sobre mentalidade e deve se refletir também na forma como pensamos sobre trabalho, espaço e tempo.
Afinal, se podemos revolucionar processos e criar inteligências artificiais sofisticadas, certamente podemos desenhar modelos de trabalho mais inteligentes e humanos. E líderes preparados para o futuro sabem disso.