Quando o tema é inovação, não faltam fórmulas prontas à disposição e livros de negócios prontos para ensinar o caminho. Não sei se essas respostas de prateleira se adaptam automaticamente a alguma área, mas, no caso do setor financeiro, é preciso avaliar com bastante cuidado antes de sair aplicando a moda da vez. Por um lado, como em qualquer área, existe o fascínio pela tecnologia, pelas soluções disruptivas, pela promessa de simplificar o que sempre foi complexo. Mas, por outro, o que o cliente mais espera é solidez, previsibilidade e, acima de tudo, confiança.
Quando se trata do dinheiro das pessoas, a margem para erro é praticamente inexistente. O mercado financeiro não permite testes irresponsáveis nem promessas vazias — o famoso “fake until you make it”, tão tolerado em outras áreas, aqui esbarra em barreiras éticas e legais intransponíveis. Mais do que a reputação do próprio negócio, estamos falando de responsabilidade com o patrimônio alheio.
Além disso, há a regulação, que cumpre um papel essencial de proteção ao consumidor e à estabilidade do sistema. É bom que seja assim, mas, partindo da perspectiva de quem deseja trazer novas soluções, muito mais abertas e democráticas, o desafio é maior. Empreender nesse ambiente significa navegar por um território de alta vigilância, onde criatividade e conformidade precisam caminhar juntas desde o primeiro dia.
A reputação não se constrói do dia para a noite
Liderar uma empresa que leva inovação a este setor é viver diariamente a busca por equilíbrio. Toda a minha carreira profissional se deu neste ambiente: buscar soluções em um mercado sensível, técnico e historicamente conservador. Aprendi desde o princípio o quanto cada passo precisa ser calculado, afinal qualquer sinal de instabilidade pode comprometer não só uma negociação, mas todo o ecossistema de relações que leva tempo — e muita entrega — para ser construído.
Foi por isso que, desde o início, a opção foi por buscar transformação, sim, mas com os pés fincados na experiência de quem já conhece os bastidores. Ter a vivência prática de quem lida há décadas com a gestão de operações tão complexas quanto os precatórios é um ativo fundamental para ter segurança em cada decisão. Em vez de “começar do zero”, é um privilégio ter conhecimentos sólidos como base para o que se pretende redesenhar. Saber o que já funciona e o que precisa mudar é uma vantagem competitiva que poucos têm — e, entre esses, raríssimos estão preparados para arriscar mudanças.
Nessa jornada, o histórico é o ativo mais valioso. Uma frase atribuída a Benjamin Franklin resume bem o tamanho do desafio: “são necessárias muitas boas ações para construir uma boa reputação, e apenas uma má para perdê-la.” Ouso dizer que isso é ainda mais verdadeiro na área de investimentos. Enquanto em alguns segmentos um ou outro desvio podem ser tolerados, entre bancos, fundos e corretoras não são poucas as histórias de empresas que ruíram ao menor sinal de desconfiança.
Conquistar essa solidez é um trabalho diário e, por isso, cada decisão, cada processo e cada interação com clientes e parceiros carrega consigo o peso de algo maior do que uma simples transação: a responsabilidade de manter viva essa credibilidade que, para nós, é tão vital quanto qualquer mudança.
Governança como antídoto para o improviso
Se os resultados de estratégias de inovação estão entre os temas quentes do mundo dos negócios, dando origem a cases e palestras, gerando audiência e construindo ídolos, infelizmente o mesmo não acontece com quem se dedica a criar as bases sólidas para essa mesma transformação. Há muito mais holofotes em torno dos resultados do que da construção de uma visão de longo prazo, que possibilite o retorno bem além do imediato.
Talvez isso aconteça porque, para quem está no início de uma jornada inovadora, a governança pareça um tema distante, de pouco impacto prático imediato. Mas este é um grande engano. Na minha experiência, noto que foi exatamente essa estrutura que nos permitiu crescer com segurança. Criar um conselho deliberativo, trazer vozes externas para a tomada de decisão e sistematizar processos que antes dependiam de poucos indivíduos foram passos decisivos e que nos fizeram encurtar em alguns anos o trabalho de levar um novo olhar para os investimentos em ativos judiciais.
Costumo dizer que a governança traz uma clareza interna que se reflete externamente. Ela tira a dependência das pessoas e fortalece a confiança na organização como um todo. E, em um setor que lida com risco, não existe ativo mais valioso do que previsibilidade.
Liderança é saber onde ousar e onde manter
A grande pergunta, para mim, nunca foi se era possível evoluir o mercado financeiro. Em vez disso, sempre preferi me questionar como fazer isso sem romper com o que é essencial. Porque a credibilidade, quando bem cultivada, abre portas que nenhuma tecnologia, sozinha, consegue escancarar. A resposta que encontrei está nessa aliança entre conhecimento profundo sobre as bases de onde partimos e um processo muito bem amarrado de análise de cenários e tomada de decisões, com a combinação das nossas visões internas com olhares capazes de nos provocar a descobrir onde estamos sendo ousados demais e onde podemos acelerar.
Liderar hoje é, mais do que nunca, tomar decisões que sustentem o longo prazo. É segurar o ímpeto da disrupção sem abandonar a inquietação que nos move. É mostrar, todos os dias, que a reputação construída com consistência pode — e deve — caminhar ao lado da inovação. Viver essa jornada é um trabalho intenso, mas os resultados são recompensadores.