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O Brasil não tem marcas globais. E talvez isso diga mais sobre nós do que imaginamos

Foto: divulgação

Por Juliana Pazetti, diretora executiva na Pazetti Traduções.

O Brasil é a nona maior economia do mundo. Exportamos carne, café, aviões, cosméticos e criatividade. Temos produtos competitivos, uma cultura vibrante e uma capacidade inata de criar. Mas quando se observa os rankings das marcas mais valiosas do planeta, o país simplesmente não aparece. Nenhuma marca brasileira figura entre as cem mais reconhecidas globalmente. Nenhuma entre as duzentas. Em alguns rankings, nem entre as quinhentas.

A ausência não é apenas estatística — é simbólica. E talvez o problema não esteja no produto, no preço ou na logística. Talvez esteja na forma como o Brasil se comunica com o mundo.

Durante décadas, internacionalizar foi sinônimo de exportar. Para muitas empresas brasileiras, estar em outro país significava apenas enviar produtos com o mesmo rótulo, a mesma campanha e a mesma lógica de comunicação. Mas o mundo mudou. Hoje, internacionalizar é construir significado. É ser compreendido, respeitado e desejado — não apenas disponível. Marcas globais não são aquelas que vendem em vários países, mas aquelas que fazem sentido em diferentes contextos culturais. E isso exige mais do que logística: exige estratégia, adaptação e sensibilidade.

No entanto, o marketing brasileiro ainda fala só português. A lógica predominante nas empresas é a da padronização. Campanhas são replicadas com mínimas alterações, ignorando nuances culturais, linguísticas e simbólicas. Essa abordagem compromete a eficácia da comunicação e revela uma visão limitada sobre o papel do marketing na construção de marca. Segundo uma meta-análise da Universidade Federal do Paraná, apenas setenta estudos relevantes sobre marketing internacional foram publicados no Brasil entre 1997 e 2010. A maioria tem caráter exploratório, com pouca aplicação prática. O resultado é um mercado que forma profissionais com foco doméstico, sem preparo para atuar em ambientes multiculturais.

pesquisa da PwC reforça o alerta: trinta por cento dos líderes empresariais brasileiros apontam a falta de talentos qualificados como o maior risco estratégico para seus negócios. E quando se trata de comunicação global, essa ausência se torna um abismo.

Comunicar-se globalmente exige mais do que fluência em outro idioma. Exige compreender códigos culturais, adaptar narrativas e construir pontes simbólicas entre contextos distintos. É justamente nesse ponto que muitas marcas brasileiras falham: ao tratar a linguagem como ferramenta técnica, e não como ativo estratégico. Nesse cenário, a tradução deixa de ser uma etapa final e passa a ocupar um papel central na construção de significado.

É nesse ponto que tradução e localização deixam de ser tarefas operacionais e passam a ser decisões estratégicas. Traduzir não é apenas converter palavras. É interpretar intenções, adaptar registros, preservar nuances. Localizar não é apenas ajustar formatos — é reconstruir a mensagem para que ela faça sentido em outro universo cultural. Empresas que ignoram esse processo correm riscos silenciosos: campanhas que não ressoam, slogans que perdem força, narrativas que soam deslocadas. E o mais grave — marcas que não constroem vínculo.

Em mercados maduros, equipes de marketing trabalham lado a lado com empresas especializadas em tradução e localização, formando parcerias estratégicas que garantem consistência, sensibilidade cultural e impacto global. Essas colaborações não apenas evitam erros — elas potencializam a marca, tornando-a capaz de dialogar com públicos diversos sem perder identidade. No Brasil, ainda é raro encontrar essa sinergia. O tradutor técnico existe. O profissional de marketing também. Mas o especialista em internacionalização de marca, que une linguagem, cultura e estratégia, ainda é exceção. E as parcerias entre empresas de tradução e equipes de branding global ainda são subexploradas — quando poderiam ser vetores de expansão e diferenciação.

A ausência de integração também se reflete no ambiente digital. Em um mundo onde a primeira interação com uma marca acontece, quase sempre, por meio de uma busca online, não ser encontrado é não existir. E muitas empresas brasileiras que tentam se internacionalizar enfrentam justamente esse obstáculo: não aparecem nas buscas locais, não são indexadas corretamente, não falam a língua do mercado que desejam atingir.
O motivo? SEO feito sem localização. O trabalho de otimização para mecanismos de busca — quando feito apenas em português ou com traduções literais — ignora os termos, hábitos e intenções de busca dos consumidores estrangeiros. Palavras-chave não são universais. Elas são culturais. E o SEO precisa ser localizado com o mesmo cuidado que se dá a uma campanha publicitária.

A popularização da inteligência artificial generativa trouxe agilidade à tradução, mas também reforçou um dilema: sem curadoria estratégica, a tecnologia não garante adaptação cultural nem coerência de marca. E é justamente aí que muitas empresas enfrentam um obstáculo — encontrar parceiros que aliem domínio técnico, sensibilidade linguística e visão estratégica continua sendo raro. O risco não está na ferramenta, mas na ausência de profissionais capazes de usá-la com inteligência e propósito.

Empresas globais já entenderam isso. Elas trabalham com equipes multidisciplinares que unem especialistas em SEO, tradutores, estrategistas de conteúdo e profissionais de marketing internacional. No Brasil, essa integração ainda é rara — e o resultado é uma presença digital limitada, que não alcança, não engaja e não converte.

A ausência de marcas brasileiras entre as mais valiosas do mundo revela uma falta de investimento em branding internacional, uma visão estratégica limitada e uma subvalorização da comunicação como ativo global. Para mudar esse cenário, o Brasil precisa formar profissionais com competências interculturais, valorizar tradução e localização como ferramentas de marca, integrar SEO localizado à estratégia digital, abandonar a lógica replicadora e investir em posicionamento global de longo prazo.

Temos produtos. Temos talento. Temos alma. Mas isso não basta. Para que o mundo nos reconheça, precisamos contar nossa história com inteligência, sensibilidade e estratégia. O futuro das marcas brasileiras não está apenas em novos mercados — está em novas narrativas. E isso começa com profissionais preparados para traduzir o Brasil para o mundo.

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