Por Daniel Moral, CEO e fundador da Eureka Coworking.
A mobilidade urbana se tornou um dos desafios contemporâneos para empresas que atuam em centros urbanos. E não estamos falando apenas de ruas congestionadas ou do tempo perdido no trânsito.
Tratamos de um tema que impacta diretamente a saúde, o bem-estar, a produtividade dos colaboradores, e, por consequência, o desempenho das empresas.
Nos últimos anos, temos visto uma intensa verticalização dos centros urbanos. Casas unifamiliares dão lugar a empreendimentos imobiliários, sejam comerciais ou residenciais.
Essa transformação, embora inevitável em áreas de adensamento populacional, traz um efeito colateral pouco discutido: onde haviam três carros na garagem, agora circulam centenas.
O sistema viário, entretanto, continua praticamente o mesmo. Resultado? Trânsito cada vez mais intenso, tempo de deslocamento absurdamente elevado e mais estresse para quem precisa se locomover todos os dias.
Em cidades como São Paulo, é comum encontrar pessoas que gastam duas ou até três horas por dia apenas para ir e voltar do trabalho.
Esse cenário é agravado pelo fato de que a maior parte das empresas ainda está concentrada em polos empresariais como as avenidas Faria Lima ou Paulista, criando verdadeiros gargalos de circulação nos horários de pico.
Esse desequilíbrio entre moradia e trabalho não é apenas um problema de planejamento urbano, ele se reflete diretamente no clima organizacional, no engajamento das equipes e na performance das empresas.
Impactos e consequências reais
Pode parecer exagero dizer que o trânsito afeta os resultados financeiros de uma organização, mas longos deslocamentos diários estão diretamente ligados ao aumento do estresse crônico, à redução da qualidade do sono, à piora no humor e ao aumento do sedentarismo.
Tudo isso contribui para um quadro de baixa produtividade, aumento de licenças médicas e maior rotatividade.
Além disso, empresas localizadas em regiões de difícil acesso ou mal conectadas ao transporte público enfrentam maior dificuldade para atrair e reter talentos.
Profissionais altamente qualificados muitas vezes descartam boas oportunidades simplesmente porque o trajeto até o escritório é inviável ou exaustivo.
A consequência é uma piora geral no clima organizacional, na motivação e nos indicadores de desempenho. As empresas precisam, portanto, enxergar a mobilidade urbana como uma questão estratégica, e não apenas logística.
Além disso, esse problema fica ainda mais grave quando partimos para questões de preservação do meio ambiente.
De acordo com o relatório “Net Zero Readiness Report 2023”, produzido pela consultoria KPMG, o setor de transporte é um dos três que mais geram emissões de gases de efeito estufa no Brasil, junto da agricultura e dos resíduos. Dados que evidenciam a necessidade de adoção de transportes alternativos.
Soluções viáveis e necessárias
Diante desse cenário, é urgente repensar os modelos de deslocamento e incentivar alternativas mais sustentáveis, acessíveis e saudáveis.
A implantação de ciclovias e ciclofaixas nas grandes cidades brasileiras, especialmente em São Paulo, tornou viável a bicicleta como meio de transporte. De forma silenciosa, econômica e eficiente, cada vez mais pessoas têm adotado esse modal para ir ao trabalho.
A bicicleta tem inúmeras vantagens: melhora a saúde cardiovascular, reduz os níveis de estresse, contribui com o meio ambiente e ainda evita os atrasos causados por congestionamentos.
Para trajetos de até 10 km, o que representa boa parte dos deslocamentos urbanos, ela é muitas vezes mais rápida do que o carro ou o ônibus.
É também uma solução que ocupa menos espaço nas ruas, ajudando a reduzir os congestionamentos. Para se ter uma ideia, um estudo do Grupo de Pesquisas em Cidade Digital Estratégica do CNPq, que faz parte do PPGTU (Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana), da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), revelou que cada nova bike na cidade diminui até 52 passagens de ônibus por mês.
As empresas que entendem essa tendência e a incorporam à sua cultura se destacam não apenas como empregadoras modernas, mas como agentes de transformação social e ambiental.
Na Eureka, por exemplo, acreditamos que a mobilidade urbana é parte essencial de uma cidade mais justa e eficiente. Por isso, apoiamos iniciativas que promovem deslocamentos mais sustentáveis e a cultura da Bike, como o Bike Tour SP, a Ciclocidade, o Cidade a Pé e o coletivo Aro 60.
Outro ponto crucial é o incentivo ao uso do transporte público, especialmente os modais sobre trilhos como o metrô e o trem urbano. Esses sistemas, quando bem planejados, oferecem deslocamentos rápidos, previsíveis e com menor impacto ambiental.
Para isso, é fundamental que as empresas estabeleçam políticas de incentivo, como subsídios para o vale-transporte e horários flexíveis que evitem os picos.
Outra grande tendência global, acelerada pela pandemia, é a descentralização dos locais de trabalho. Escritórios satélites, coworkings de bairro e unidades em regiões periféricas permitem que os colaboradores trabalhem mais perto de casa.
Essa abordagem reduz o tempo de deslocamento, melhora o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e ainda contribui para o desenvolvimento econômico de regiões menos centrais.
O papel das empresas: além do discurso, ações concretas
A responsabilidade sobre a mobilidade urbana não é apenas do poder público. As empresas têm um papel fundamental nesse processo. E isso começa com ações simples e efetivas.
A implantação de bicicletários seguros e de fácil acesso, por exemplo, é uma medida que incentiva o uso da bicicleta como meio de transporte e demonstra comprometimento com a qualidade de vida dos colaboradores.
Da mesma forma, oferecer vestiários com chuveiros, especialmente em prédios comerciais que ainda não contam com essa estrutura, é um passo importante para tornar o deslocamento ativo mais viável no dia a dia.
Outras iniciativas incluem incentivos financeiros ou premiações para funcionários que optam pela bicicleta ou pelo transporte coletivo, horários de entrada e saída mais flexíveis para evitar os picos de trânsito, além de programas de bem-estar corporativo que integrem saúde, mobilidade e qualidade de vida.
Essas ações, além de promoverem um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, também se alinham às melhores práticas de ESG, um conjunto de critérios cada vez mais valorizado por investidores, parceiros e consumidores.
Ao assumir a responsabilidade de transformar a mobilidade urbana a partir de dentro, as empresas não apenas impactam positivamente a rotina de seus times, mas contribuem para a construção de cidades mais humanas e inteligentes.
Políticas públicas e marcos legais: a Lei Bike SP
As empresas que desejam avançar nesse caminho também podem (e devem) se apoiar em políticas públicas existentes. Um bom exemplo é a Lei 16.547/2016, conhecida como Lei Bike SP. Ela institui o Programa de Incentivo ao Uso da Bicicleta no Município de São Paulo.
Essa legislação tem como objetivo promover o uso da bicicleta como meio de transporte. Empresas alinhadas com a Lei Bike SP podem se beneficiar de parcerias com o poder público, além de fortalecer sua imagem como organização cidadã. É uma forma de transformar um problema urbano em oportunidade de inovação e liderança.
Mobilidade é estratégia
O desafio da mobilidade urbana não se resolve apenas com mais ruas ou viadutos. Ele exige uma mudança de mentalidade nas cidades, nas políticas públicas e, principalmente, nas empresas.
Organizações que compreendem a profundidade desse tema e agem para promover soluções acessíveis e sustentáveis saem na frente. Elas constroem ambientes de trabalho mais saudáveis, atraentes e produtivos. E, de quebra, contribuem para cidades mais humanas e resilientes.
A mobilidade precisa ser parte da estratégia de RH, da cultura organizacional e da visão de futuro das empresas. Porque onde e como as pessoas se deslocam diz muito sobre como (e para quem) estamos construindo o mundo do trabalho.