Por Pedro Bittencourt, CEO da GreenAnt.
Desde o ano passado, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem desenvolvido, em conjunto com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o programa Resposta da Demanda (RD).
A iniciativa busca oferecer maior flexibilidade ao Sistema Interligado Nacional (SIN), remunerando consumidores que estejam dispostos a reduzir ou deslocar seu consumo de energia em momentos de pico ou emergência.
Em julho de 2025, o programa atingiu mais um marco importante com a realização do segundo leilão do produto “Disponibilidade”.
Nesse modelo, consumidores ou agregadores que representam conjuntos de consumidores fazem ofertas para receber um valor fixo mensal em troca de sua disponibilidade para redução do consumo quando requisitados pelo ONS.
Os contratos são firmados em dois produtos distintos: disponibilidade para até 6 dias/mês ou até 4 dias/mês, com acionamentos previstos entre 18h e 22h em dias úteis.
O segundo leilão foi um avanço expressivo em relação ao primeiro, realizado em 2024. Enquanto o primeiro contratou 93 MW de potência (com foco principalmente no setor de metalurgia), o segundo chegou a 229 MW, mais que o dobro.
O deságio máximo observado também aumentou significativamente: 14,4% no primeiro leilão contra 32,5% no segundo, em relação ao preço-teto de R$ 70.000/MW-mês.
É particularmente animador observar o engajamento de setores como a metalurgia, que liderou as ofertas com grandes volumes. A Gerdau, por exemplo, ofertou 60 MW no primeiro leilão.
No segundo leilão, a Ferbasa ofertou 100 MW e a Liasa, 175 MW. Isso revela que há uma elasticidade de demanda real e relevante entre grandes consumidores eletrointensivos, o que confirma que sinais de preço bem calibrados, tanto temporais quanto locacionais, são capazes de sensibilizar o lado da demanda e, potencialmente, o da oferta.
Essa experiência não é exclusiva do Brasil. Em países como os Estados Unidos, a RD já é um componente consolidado do sistema.
Operadores como a PJM Interconnection, por exemplo, utilizam o mecanismo para mobilizar centenas de megawatts durante picos de demanda, com participação ativa de consumidores industriais, comerciais e até residenciais.
Na Europa, programas semelhantes são utilizados em mercados como Reino Unido (National Grid ESO) e França (RTE), com foco crescente em integração de renováveis e resiliência climática.
Na Austrália, a Australian Energy Market Operator (AEMO) mantém programas de RD no atacado desde 2021, permitindo participação direta de agregadores e consumidores no mercado de capacidade e energia.
A importância da RD ganha ainda mais peso diante da previsão de déficit de potência no Brasil a partir de 2026, conforme apontado no Plano Decenal de Expansão de Energia 2033 (PDE 2033), publicado pela EPE e pelo MME.
O estudo alerta para a necessidade de expansão da capacidade firme do sistema, dada a crescente participação de fontes intermitentes, como solar e eólica.
Vejo o programa de Resposta da Demanda como uma peça estratégica dentro desse cenário. Ao oferecer uma forma eficaz de gerenciar picos de consumo e aliviar pressões sobre o despacho térmico, a RD se consolida como um mecanismo de transição energética, ao mesmo tempo econômico e ambientalmente sustentável.
É também uma ferramenta crucial para manter a confiabilidade do sistema elétrico brasileiro sem depender exclusivamente de investimentos intensivos e demorados em infraestrutura de geração.
Além disso, a Resposta da Demanda abre uma nova e promissora fronteira de oportunidades para as energytechs brasileiras que atuam no mercado livre de energia.
Startups e empresas inovadoras focadas em monitoramento de consumo em tempo real, automação de cargas, inteligência de dados e agregação de demanda podem assumir papel central na implementação dessas soluções, conectando consumidores finais aos mecanismos de resposta de forma ágil, digital e escalável.
O avanço do RD, portanto, não apenas fortalece o sistema como um todo, mas também estimula o surgimento de novos modelos de negócio, tecnologias e ecossistemas capazes de posicionar o Brasil na vanguarda da inovação energética.