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É preciso deliberadamente desconstruir nossas empresas para reinventar o futuro

Foto: divulgação.

Por Fabio Seixas, CEO da Softo.

Por décadas, o discurso sobre transformação digital foi tratado como um processo progressivo, controlado e previsível. As empresas adicionavam novas tecnologias às suas operações, adaptando-as de forma incremental. Essa abordagem parecia segura e lógica em um mundo onde mudanças aconteciam em ciclos mais lentos.

No entanto, a ascensão da inteligência artificial generativa rompeu com essa lógica, pois não se trata mais de uma evolução, mas de uma ruptura estrutural que exige uma revisão profunda na forma como os negócios são concebidos, geridos e sustentados. As estruturas que geraram resultados até agora começam a se tornar barreiras para o que está por vir.

O cenário tecnológico recente é um retrato dessa aceleração inédita. Em 2024, 72% das empresas no mundo adotaram o uso da Inteligência Artificial, um avanço significativo em relação aos 55% registrados em 2023, segundo a pesquisa realizada pela McKinsey.

Além disso, nos últimos meses, assistimos ao lançamento de sistemas como OpenAI o3, Google Gemini 2.5, Claude 3.7, Grok 3, Devin, Lovable e Manus AI, todos elevando o patamar de autonomia, velocidade e adaptabilidade das máquinas.

Ferramentas como o Devin, um engenheiro de software autônomo capaz de planejar, programar e testar sem supervisão humana, ou plataformas que negociam, escrevem e organizam projetos de forma independente, sinalizam que não estamos apenas aumentando a capacidade produtiva, estamos delegando inteligência.

Apesar desse salto, muitas organizações ainda tratam a IA como um complemento a processos antigos, encaixando-a em rotinas já consolidadas. Automatiza-se uma tarefa aqui, implementa-se um chatbot ali, e cria-se uma ilusão de modernização.

No entanto, segundo teorias sobre inovação disruptiva, esse é exatamente o erro que costuma condenar líderes de mercado é adaptar tecnologias disruptivas ao modelo vigente, sem redesenhar o núcleo do negócio.

No caso da IA, essa postura tende a gerar sistemas fragmentados, ineficientes e incapazes de acompanhar o ritmo das mudanças.

O que se observa nas empresas que já nascem moldadas pela IA é um modelo organizacional menos hierárquico e mais distribuído. Decisões são tomadas em tempo real, com base em dados e análises automatizadas.

Equipes pequenas, multidisciplinares e altamente produtivas substituem estruturas pesadas. Produtos e serviços deixam de ser estáticos, tornando-se “vivos”, ajustando-se continuamente por meio de APIs e modelos autônomos.

Essa fluidez operacional, antes vista apenas em startups altamente inovadoras, tende a se tornar requisito básico para competir. Esse novo desenho não significa caos, mas sim um deslocamento do eixo de estabilidade.

Se no passado a vantagem competitiva estava na eficiência de processos consolidados, hoje ela depende da capacidade de reinvenção constante. O conceito de “vantagem transiente” substitui o da vantagem sustentável, em que é preciso aproveitar cada janela de oportunidade rapidamente, antes que a próxima ruptura a torne obsoleta.

Isso exige uma cultura corporativa que valorize experimentação contínua, ciclos curtos de desenvolvimento e disposição para abandonar soluções que, embora funcionem, já não sejam as mais eficazes.

Desconstruir estruturas que ainda geram resultados é um exercício de coragem e pragmatismo, já que a dificuldade está em abrir mão da previsibilidade, dos indicadores estáveis e dos modelos financeiros conhecidos.

Mas ignorar a urgência da reinvenção significa correr o risco de ver margens, participação de mercado e relevância desaparecerem diante de concorrentes mais ágeis e adaptáveis.

A IA, pela sua velocidade de evolução, amplia o custo da inércia, em que a cada mês de atraso na adaptação equivale a anos de defasagem competitiva.

A história recente da tecnologia mostra que rupturas desse porte não dão sinais prolongados antes de mudar radicalmente o jogo. Na virada da Web 2.0, muitas empresas consolidadas subestimaram a profundidade das transformações e perderam espaço para novos entrantes que entenderam a lógica do momento.

Agora, com a IA, o ciclo é mais rápido e menos previsível. A desintermediação digital, a automação de decisões e a criação de produtos autônomos estão avançando ao mesmo tempo, colapsando estruturas tradicionais em tempo real.

Portanto, não se trata apenas de adotar inteligência artificial, mas de reposicionar a empresa para operar em um ambiente onde o desconhecido é regra. Isso significa desapegar de processos que foram a base do sucesso, destruir e reconstruir com método, visão e propósito. A janela para essa reinvenção é curta.

As organizações que hesitarem correm o risco de não apenas perder competitividade, mas de se tornarem irrelevantes antes mesmo de entenderem o que aconteceu. A nova era não premia quem se adapta lentamente, mas quem tem coragem de começar de novo, com a IA no centro de sua arquitetura.

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