Por Adriana Melo, CFO da SAS Brasil.
Você já percebeu como todo mundo anda meio… parecido? Em São Paulo, os carros ganharam tons de cinza, branco e preto, como se a cor tivesse sido banida das ruas. O minimalismo virou padronização: casas com linhas retas que mais se parecem com consultórios, apartamentos em bege, roupas neutras, cafés com os mesmos neons e mesas comunitárias.
A estética “clean” se impôs como o padrão seguro da metrópole. E quem ousa “expressar personalidade” geralmente acaba caindo em outro lugar-comum: os looks homogêneos dos Faria Limers ou o estilo dos Madaleners, Ceciliers por exemplo são grupos tão identificáveis quanto uniformizados.
O ensaio “The Age of Average”, de Alex Murrell, descreve esse fenômeno com precisão: da moda à arquitetura, a estética convergiu para um lugar repetível e previsível. Ser “diferente” virou um pacote padrão.
O motor invisível: imitar para pertencer, diferenciar para existir
É como diz o ditado: a grama do vizinho é sempre mais verde. Morgan Housel lembra que o dinheiro raramente é usado de forma racional. Ele serve, na maioria das vezes, para mostrar aos outros que estamos bem.
Não compramos só um carro ou um jantar: compramos a comparação. O valor não está no objeto, mas no fato de parecer que estamos no mesmo gramado, ou em um mais verde que o do vizinho.”
Psicologia social: como as marcas exploram nosso desejo de pertencimento
A publicidade e a indústria sabem explorar essa vulnerabilidade. Quando os produtos são semelhantes, não se vende substância: vende-se história. O caso clássico é o da Vodka Grey Goose. Quimicamente semelhante a dezenas de concorrentes, foi posicionada como a vodka “francesa premium”, com garrafa sofisticada, preço alto e narrativas de exclusividade. Resultado: status líquido engarrafado.
Outro exemplo está no setor de moda rápida. O lançamento da H&M no Brasil foi um espetáculo de pertencimento: ações de marketing no TikTok e no Instagram, micro influenciadores estrategicamente selecionados e filas quilométricas na inauguração. Não era apenas sobre comprar roupa e sim sobre “fazer parte do momento” e validar publicamente a experiência.
O mesmo se repete com sneakers em “drops” limitados, cafeterias instagramáveis com filas na calçada, ou restaurantes que vendem muito mais o storytelling do que o prato. O desejo é social antes de ser material: pertencer ao grupo importa mais do que a utilidade do item.
O “personalizado” que sai da mesma fôrma
A personalização vendida hoje é, na prática, personalização de massa: múltiplas variantes predefinidas, otimizadas por dados e logística. É conveniente e lucrativa. Mas a promessa de “você por você mesmo” escorrega facilmente para “você como os seus”.
Apple talvez seja o caso mais emblemático: começou vendendo tecnologia, mas hoje é uma das maiores empresas de luxo do mundo. O iPhone, o Apple Watch e os AirPods dizem, sem palavras, em qual camada do mapa social você circula.
Não é sobre processador ou tela: é sobre status. Assim como roupas, relógios e carros de luxo, são códigos sociais silenciosos, usados para afirmar pertencimento ou para projetar o desejo de ascensão.
E há outro detalhe: a sustentabilidade entrou nesse pacote de diferenciação. No Brasil, alimentos orgânicos, roupas de algodão reciclado ou itens com selo verde podem custar o dobro de seus equivalentes tradicionais.
Consumir “sustentável” vira, assim, mais um marcador de posição social do que uma prática transformadora. É o teatro do propósito: vive-se a narrativa de salvar o planeta, mas na prática a mensagem é “posso pagar por isso”.
No mundo, vemos o mesmo: mais teatro do que autenticidade. Propósitos são ocultados por narrativas bonitas, embalados em storytelling de “viver com propósito”.
A sustentabilidade real exige escala, inclusão e impacto coletivo. Mas o que vemos nas vitrines é o uso da pauta como um luxo moral, um passaporte simbólico para circular em um grupo que se considera superior.
Status: o fio invisível por trás da personalização
Alain de Botton, em Desejo de Status, lembra que buscamos objetos não apenas pelo que são, mas pelo que prometem: respeito, admiração, aceitação. É o teatro da validação.
No consumo personalizado, cada “escolha única” é calibrada para ser vista e aprovada. O problema é que, quando a validação vem de fora, o preço é alto: gastamos não pelo que queremos de fato, mas pelo que achamos que nos fará notados.
E há ainda quem minimize a importância da moda, como se fosse algo superficial. Mas até isso é ilusão. A ciência já mostrou como a aparência molda destinos.
No livro Capital Erótico, Catherine Hakim explica que atributos como estilo, carisma e apresentação pessoal influenciam não só interações sociais, mas salários, oportunidades e poder de negociação.
Como exemplo cultural, vale lembrar da personagem Leila, no remake de Vale Tudo: uma vilã disfarçada em roupas delicadas, em tons pastel, com voz suave, reforçando como o vestuário constrói narrativas que enganam, seduzem e posicionam.
O paradoxo da escolha: liberdade demais, vida de menos
Barry Schwartz mostrou que excesso de opções gera ansiedade e arrependimento. O mercado resolveu isso oferecendo “curadorias”, só que aqui mora a armadilha: curadoria deveria filtrar, não delegar.
Hoje, vemos apartamentos e casas inteiras projetadas por arquitetos que replicam fórmulas. Ambientes que não remetem em nada aos moradores, apenas ao portfólio do profissional. No fim, quem paga mora em um showroom, não em um lar.
O pertencimento que sai caro
Ser “único” exige manutenção: lançamentos constantes, drops limitados, upgrades anuais. A estética normcore e os grupos homogêneos aliviam a ansiedade de errar, com o preço de viver no mediano. Mas quem quer ser mediano?
O resultado é uma drenagem silenciosa de recursos que poderiam sustentar escolhas maiores: tempo livre, reserva financeira, saúde, educação, mobilidade de carreira.
Mas ignorar o jogo também pode sair caro. Códigos de vestimenta, símbolos de status e regras de conduta sempre existiram e sempre existirão. Catherine Hakim, em Capital Erótico, mostra cientificamente como aparência, estilo e sinais sutis de pertencimento influenciam salários, oportunidades e até poder de negociação.
A questão não é negar os códigos, mas usá-los de forma racional. É adaptar-se sem afundar financeiramente. Isso significa fazer compras intencionais, escolhendo onde faz sentido investir para abrir portas, e onde o gasto é apenas vaidade disfarçada. Pertencer pode ser necessário; financiar personagens, não.
Controle financeiro emocional
Aqui entra um ponto crucial: controle emocional sobre o consumo. Pertencer custa caro, e pagar esse preço sem consciência compromete salário, investimentos e liberdade. O risco é trocar sonhos de longo prazo por parcelas de curto prazo.
O antídoto? Estabelecer limites claros: reservar uma fração do orçamento para “sinalização social” e proteger o restante para construir liberdade financeira, seu maior trunfo para assegurar autonomia de escolhas.
E vale um alerta: a sede de autenticidade e de “propósito” também pode virar armadilha financeira. Quem entra no ciclo de comprar orgânico premium, roupa eco friendly ou itens verdes de vitrine para sustentar narrativa de superioridade corre o risco de viver “sustentável” para fora e insustentável para dentro.
Ser único dá trabalho e exige critério
A boa notícia é que a autenticidade costuma ser mais barata do que performar pertencimento. Quando você coloca seus valores na frente do feed, o orçamento deixa de sustentar personagens e passa a financiar a sua vida. É aí que a diferença deixa de ser look e vira liberdade.
Mas é preciso ir além: dinheiro não é apenas saldo, planilha ou fatura. Ele é um instrumento para viabilizar projetos, impulsionar carreiras e abrir espaço para escolhas que realmente importam, tempo, saúde, educação, relações de qualidade.
Uma mentoria financeira séria não fala só de números; fala de objetivos, de emoções, de coerência e de como transformar recursos em alavancas para o futuro.
No fim, a verdadeira independência não é gastar para parecer, mas investir para ser.