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O futuro do dinheiro corporativo: blockchain, liquidez digital e a revolução invisível nas PMEs

Foto: divulgação.

Por Paulo Porto, diretor financeiro da Zavii Venture Builder.

Nos últimos séculos, a função do dinheiro pouco mudou: armazenar valor, intermediar trocas e servir como unidade de conta. O que se transformou foram os meios: das moedas metálicas ao papel, dos cartões magnéticos às transações digitais. Mas estamos agora diante de algo mais profundo: o dinheiro está deixando de ser apenas físico ou eletrônico para se tornar programável, distribuído e invisível.

Essa revolução tem nome: blockchain. Muito além das criptomoedas, essa tecnologia inaugura a era do dinheiro na nuvem, em que ativos, contratos e liquidez circulam em redes descentralizadas, auditáveis e transparentes. Para startups e PMEs, esse movimento não é um detalhe tecnológico, mas um divisor de águas.

As pequenas e médias empresas representam mais de 90% dos negócios no Brasil, mas enfrentam uma realidade comum: acesso restrito e caro ao crédito. O sistema financeiro tradicional cobra prêmios elevados pelo risco percebido, exigindo garantias que muitos empreendedores não possuem. É aqui que a lógica de blockchain e ativos tokenizados muda o jogo.

Imagine uma PME capaz de tokenizar recebíveis, emitir ativos digitais lastreados em contratos futuros e acessar diretamente investidores globais, sem intermediação bancária pesada. Essa não é uma hipótese distante. Já existem plataformas descentralizadas (DeFi) experimentando exatamente esse modelo. A consequência? Liquidez mais democrática, spreads menores e novos caminhos para financiar crescimento.

Outra dimensão transformadora está no conceito de dinheiro programável. Com contratos inteligentes (smart contracts), pagamentos não precisam mais depender de autorizações manuais ou sistemas lentos. Eles acontecem automaticamente quando condições pré-definidas são atendidas.

Para uma startup de logística, isso significa que o frete pode ser pago no exato momento em que a entrega é confirmada via blockchain, reduzindo disputas e acelerando o ciclo de caixa. Para uma PME fornecedora, significa receber sem atraso tão logo a mercadoria chegue ao destino. Fluxo de caixa em tempo real deixa de ser utopia e passa a ser arquitetura de sistema.

Da contabilidade histórica à contabilidade em tempo real

Em vez de olhar para balanços trimestrais e relatórios de fechamento, surge a possibilidade de gerenciar a empresa em contabilidade contínua, com dados registrados e auditáveis em blockchain.

Isso redefine o próprio conceito de governança: não se trata mais apenas de reportar resultados, mas de oferecer confiança radical a investidores, parceiros e órgãos reguladores. O “livro-razão” deixa de ser uma abstração contábil e passa a existir, literalmente, em rede distribuída, acessível e inviolável.

Startups como laboratórios do futuro

Startups sempre foram laboratórios de experimentação, mas agora se tornam pioneiras na aplicação prática do dinheiro digital. Plataformas de pagamentos instantâneos, wallets corporativas, sistemas de DeFi aplicados a cadeias de suprimento: todos esses movimentos apontam para um futuro em que dinheiro deixa de ser apenas meio de pagamento e se torna infraestrutura de negócios.

Ao aplicar esse raciocínio em PMEs, abre-se a possibilidade de reduzir drasticamente ineficiências históricas: antecipação de recebíveis, cobrança de clientes, pagamento a fornecedores, distribuição de dividendos. Tudo pode ser reprogramado em redes mais seguras e transparentes.

O horizonte dos M&As e da liquidez digital

Se hoje os M&As já concentram 98% de suas operações em negócios abaixo de R$ 200 milhões, imagine o impacto de empresas médias tokenizadas. A liquidez deixa de depender apenas de negociações privadas e pode ser parcialmente distribuída em mercados digitais. A PME que antes sonhava com crédito bancário passa a pensar em captações híbridas, combinando equity tradicional com tokens negociáveis.

O futuro do dinheiro, nesse sentido, não é apenas financeiro: é estratégico. Determina quem terá acesso a capital mais barato, quem conseguirá atrair investidores globais e quem ficará restrito a estruturas locais e caras.

O que hoje ainda parece experimental (tokens, smart contracts, stablecoins) tende a se tornar mainstream tão rapidamente quanto o internet banking ou o PIX. A diferença é que, desta vez, o impacto é mais radical: não falamos apenas de como pagar, mas de como estruturar empresas inteiras em torno de liquidez digital.

No médio prazo, veremos surgir empresas que nasceram com blockchain no DNA. Startups que tratam a liquidez como código-fonte e a governança como arquitetura digital. Para PMEs e grandes corporações, a lição é clara: não se trata de acompanhar uma moda, mas de reconhecer que o dinheiro está se tornando uma camada de tecnologia.

O dinheiro do futuro não está no cofre, nem nos extratos bancários. Está em redes distribuídas, programáveis, globais. Para startups e PMEs, essa transformação é talvez a maior oportunidade em décadas: superar as amarras do crédito tradicional e operar em um sistema financeiro mais justo, transparente e eficiente.

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