Por Fernando Silva, vice presidente e general manager LATAM da Vertex Inc.
Às vésperas de entrar em vigor, a Reforma Tributária deve se tornar um dos principais marcos para o ambiente de negócios brasileiro nos próximos anos. Apesar do receio do mercado quanto à sua implementação, a transformação já está em andamento e representa mais do que uma simples mudança normativa: trata-se de uma reformulação profunda da mentalidade fiscal em um país historicamente marcado por entraves tributários. Segundo a PwC, o Brasil lidera o ranking global de tempo gasto com obrigações fiscais, com média de 2.600 horas anuais, quase o dobro das 1.400 horas de Camarões, segundo colocado. Ao propor a simplificação desse sistema burocrático, a Reforma cria uma oportunidade estratégica para revisar processos, repensar modelos e adotar uma postura mais ágil, precisa e inteligente, condição essencial para preservar a competitividade das empresas.
Por esse motivo, entre os impactos mais imediatos está a necessidade de adaptação tecnológica. Com novas alíquotas, regras e formas de apuração, empresas precisarão simular cenários complexos, revisar sua cadeia de suprimentos, ajustar margens e repensar sua estratégia de precificação. Dessa forma, optar por planilhas e processos manuais praticamente deixa de ser uma opção viável sem um alto risco atrelado.
Isso não quer dizer, porém, que a renovação do aparato fiscal seja uma tarefa trivial. Ajustar sistemas internos, integrar áreas e garantir consistência nos dados irá exigir investimento e visão estratégica. A preparação precisa começar desde já, com um olhar atento sobre como os dados circulam internamente entre as áreas e como as novas diretrizes impactarão a operação.
Nesse cenário, a tecnologia passará a ser protagonista. O Fisco governamental já opera com tecnologias de ponta, incluindo big data, inteligência artificial, cruzamento automatizado de informações, enquanto muitas empresas ainda convivem com gargalos internos, dados desconectados e, até mesmo, erros de preenchimento. O resultado é um perigoso descompasso entre a capacidade analítica do governo e a das companhias, o que gera aumento do risco de multas, autuações e perda de competitividade.
Além disso, empresas que não estiverem atentas a questões tributárias e não iniciarem a atualização dos seus processos, certamente sofrerão consequências graves. Muitas podem até ter suas operações paralisadas se não estiverem em conformidade, como por exemplo a emissão incompleta da nota fiscal sem considerar os novos tributos. Vale destacar que a fase de testes para a nova NF-e, que incluiu campos para o IBS, CBS e IS, já começou no início de julho, justamente para que as companhias possam se preparar até 2026.
No entanto, mais do que o temor de sanções, o esforço pela adoção de tecnologias fiscais precisa ser encarado como uma oportunidade de reestabelecer a posição da área tributária, que deixa de representar um time meramente obrigatório e passa a ser visto como um parceiro estratégico ao negócio. Isso porque a tecnologia libera os profissionais para pensar a obrigação fiscal estrategicamente: explorando oportunidades tributárias, identificando gargalos de margem e direcionando a expansão com base em dados concretos.
É justamente por isso que o debate sobre a Reforma Tributária deve ir além do campo técnico. O impacto será transversal, afetando decisões de negócios, investimentos regionais, estruturação de filiais e até modelos de precificação e classificação de produtos. Sendo assim, empresas que passarem a enxergar a área fiscal como um hub de inteligência estarão mais preparadas para esse novo ciclo.
Passaremos pela maior mudança nas regras do jogo em décadas, e, nesse novo cenário, tecnologia, visão de longo prazo e integração de dados serão essenciais para garantir competitividade. Quem não começar a se preparar desde já corre o risco de, no futuro, arcar com os custos da inércia.