Pesquisar

Como utilizar IA para automatizar operações financeiras?

Foto: divulgação.
Foto: divulgação.

Por José Fleury, CFO da Fintalk.

Mesmo que você não saiba, você já usa inteligência artificial no seu dia a dia, seja em assistentes virtuais no celular, nos resultados das pesquisas do Google ou no algoritmo das redes sociais, a IA já faz parte da sua vida.

Além disso, bancos, fintechs, gestoras e até empresas de médio porte já utilizam algoritmos inteligentes para aumentar eficiência, reduzir custos e tomar decisões mais assertivas. A automação de operações financeiras por meio da IA está se consolidando como um diferencial competitivo em um mercado cada vez mais orientado por dados e velocidade de resposta.

No caso em particular das instituições financeiras, tradicionalmente, processos que exigiam grande esforço manual, como conferência de dados, análise de extratos, reconciliação de contas, elaboração de relatórios e acompanhamento de riscos. Essas tarefas, além de demoradas, estavam sujeitas a erros humanos que poderiam comprometer resultados. A IA mudou essa lógica ao permitir que sistemas aprendam padrões e executem atividades repetitivas com maior precisão e agilidade.

Um exemplo claro está no processamento de faturas e notas fiscais, onde algoritmos de reconhecimento de linguagem natural (NLP) conseguem extrair informações-chave automaticamente, reduzindo drasticamente o tempo de conferência. Da mesma forma, ferramentas de machine learning já são usadas para classificar transações em categorias contábeis, eliminando a necessidade de revisão manual linha por linha.

Previsão, gestão de riscos e compliance

A inteligência artificial não atua apenas na execução mecânica, mas também na tomada de decisão estratégica. Modelos preditivos, alimentados por grandes volumes de dados históricos e em tempo real, conseguem projetar fluxos de caixa, prever inadimplência e até antecipar oscilações de mercado. Para empresas que operam com margens apertadas, essa capacidade de previsão pode significar a diferença entre manter liquidez ou enfrentar crises de caixa.

Outro campo em rápida evolução é o monitoramento de compliance e prevenção a fraudes. Sistemas baseados em IA analisam milhares de transações por segundo e identificam padrões anômalos que indicam riscos de lavagem de dinheiro ou movimentações suspeitas. O que antes dependia de auditorias manuais periódicas, hoje acontece em tempo real, oferecendo maior segurança regulatória.

No mercado de capitais, a aplicação da IA ficou popular com os robôs de investimento e algoritmos de alta frequência. Essas ferramentas operam de forma autônoma, comprando e vendendo ativos com base em sinais de mercado e estratégias matemáticas, sem a necessidade de intervenção humana constante.

Embora sejam mais comuns em grandes instituições financeiras, versões simplificadas estão acessíveis a investidores comuns por meio de corretoras e fintechs. Aqui, a IA atua não apenas na execução, mas também na análise de perfil de risco, ajudando a recomendar carteiras personalizadas. Isso democratiza o acesso a práticas sofisticadas de gestão de investimentos, antes restritas a clientes institucionais.

Apesar do potencial transformador, a automação via IA não é isenta de desafios. A qualidade dos dados continua sendo um ponto crítico: algoritmos só conseguem entregar bons resultados se alimentados por informações corretas e atualizadas. Além disso, existe o risco de dependência excessiva da tecnologia, que pode falhar em cenários extremos ou não previstos.

Outro ponto de atenção é a ética no uso da IA. Decisões financeiras automatizadas podem impactar diretamente a vida de clientes e empresas. Por isso, a transparência nos modelos, o uso responsável e a supervisão humana continuam sendo essenciais para evitar vieses ou injustiças.

O futuro da automação financeira

A tendência é que a integração da IA nas operações financeiras se torne ainda mais profunda, e os sinais quantitativos já aparecem em várias frentes. No mercado de pagamentos, a padronização de mensagens ISO 20022 entra em fase crítica: o prazo para o fim da coexistência MT/ISO em novembro de 2025 pressiona bancos a modernizar sistemas e enriquecer dados transacionais, habilitando modelos de IA mais precisos para reconciliação, detecção de fraude e screening de compliance. Nos EUA, o Fedwire migra em março de 2025, e novas etapas seguem em 2026, criando uma base de dados semântica mais rica para automação ponta a ponta.

Nos pagamentos instantâneos, volumes crescentes reforçam o case para orquestração algorítmica de liquidez e risco operacional. O Pix consolidou-se como infraestrutura de massa: o Relatório Anual do SPI 2024 mostra, por exemplo, valor médio de R$ 407,90 por transação em dezembro de 2024, com distribuição granular que favorece modelos de IA para previsão de fluxo e chargeback inteligente. Esse dataset em tempo real é fértil para otimização de tesouraria e mitigação de risco de crédito transacional.

Do lado de tokenização e mercado de capitais, a base de ativos digitais programáveis amplia o escopo da automação. Estimativas amplamente citadas projetam que a tokenização de ativos pode atingir US$ 16 trilhões até 2030, cerca de 10% do PIB global, caso a adoção cruze o ponto de inflexão regulatório e operacional, expandindo a liquidez de instrumentos hoje ilíquidos e permitindo settlement e custódia com verificabilidade em tempo real. Para treasuries corporativas e asset managers, isso abre espaço para smart collateralprogrammable cash e rotinas de risco automatizadas integradas a ledgers permissionados e públicos.

Em bancos e crédito, o passo seguinte vai além da automação de tarefas: trata-se de capturar valor econômico mensurável com modelos generativos no lifecycle do crédito, do onboarding à cobrança. Levantamento recente indica que instituições avançam na adoção de IA generativa no crédito, mas a plena captura de valor exige data foundations robustas, guardrails de risco e integração com core banking. Análises da McKinsey apontam que cerca de 75% do valor da gen-IA nas finanças se concentra em atendimento ao cliente, “especialista virtual”, geração de conteúdo e engenharia de software — pilares que, quando conectados a workflows de crédito, encurtam TAT, reduzem loss given default e melhoram collections.

Para reguladores e formuladores de política monetária, a IA também é vetor de estabilidade financeira — e de novos riscos sistêmicos. A BIS destaca que a IA pode melhorar nowcastingsuptech e AML, mas alerta para riscos de convergência algorítmica, black boxes e ciberataques, recomendando coordenação entre bancos centrais e estruturas de model risk management mais rigorosas. A imprensa especializada e comunicados recentes reforçam que o uso deve complementar, não substituir, o julgamento humano em temas como definição de juros.

No plano macro, a adoção de IA tende a elevar produtividade — um ponto chave para precificação de ativos e allocations. Trabalhos do FMI (2025) estimam impactos positivos no crescimento anual (até 0,8 p.p. em alguns cenários, a depender da preparação setorial e nacional), com efeitos maiores em setores intensivos em IA. Isso reforça a perspectiva de que empresas e países com alto “AI preparedness” capturarão spreads de eficiência mais rápido, inclusive em finanças.

Há, ainda, um vetor geracional na demanda por automação. Pesquisas recentes mostram maior conforto de Millennials e Gen Z com IA em investimentos pessoais, de budgeting a carteiras geridas por algoritmos, o que acelera a difusão de robo-advisors, ETFs dirigidos por IA e personal finance assistido por modelos. Essa aceitação social reduz barreiras de adoção do lado do cliente e pressiona incumbentes por experiências AI-first.

Finalmente, a integração IA-pagamentos-tokenização se cruza com a expansão dos pagamentos em tempo real no mundo, projeções de indústria colocam os fluxos transfronteiriços rumo a US$ 250 trilhões até 2027, elevando o surface area para automação de reconciliação, FX e compliance com machine learning. À medida que rails modernos (ISO 20022, real-time rails, DLTs) amadurecem, algoritmos inteligentes assumem o papel de motor de liquidez e risco, conectando ERP, core banking e mercados globais.

Compartilhe

Leia também