Pesquisar

Você não está cansado. Está superestimulado

Foto: divulgação.
Foto: divulgação.

Por Renato Dolci, diretor de dados e analytics da Timelens.

Você não está exausto porque trabalha demais. Está exausto porque nunca mais descansou a própria mente. A sensação de cansaço permanente virou epidemia, e ela não nasce do esforço, nasce do excesso. O corpo pode até aguentar a carga de trabalho por um tempo. O cérebro não aguenta estímulo infinito.

O Brasil lidera o ranking mundial de tempo de tela: 9 horas e 32 minutos por dia conectados (DataReportal 2025).

Um adulto médio toca no celular 2.617 vezes por dia (Dscout Research) e troca de tarefa mais de 1.100 vezes durante o expediente (RescueTime). Não chamamos mais isso de comportamento normal. Chamamos de rotina. Mas isso tem outro nome: hiperestimulação crônica.

Efeito prático: a capacidade de foco humano despencou para 47 segundos antes da próxima distração, de acordo com a Gloria Mark University of California. Sessões de concentração profunda hoje duram em média 3 minutos e 42 segundos antes de serem interrompidas, segundo o Microsoft Human Attention Study.

Não é coincidência o crescimento da ansiedade: o Brasil é o país mais ansioso do mundo (OMS, 2024). O cérebro, exposto a estímulos constantes, entra em modo de dopamina artificial, cria tolerância e pede mais, mais notificações, mais vídeos, mais recompensas rápidas. Resultado: você não consegue desligar, mesmo quando está parado.

Essa fadiga não é física. É cognitiva. 75% dos brasileiros dizem sentir “cansaço mental permanente” (IPSOS 2024). E, ao contrário do que imaginamos, isso não melhora no descanso.

Pelo contrário: o ócio virou consumo de conteúdo. Descansar deixou de ser pausa e virou rolagem infinita. Em média, passamos 3 horas e 4 minutos por dia só em redes sociais (DataReportal). Isso equivale a 46 dias por ano.

Um mês e meio inteiro da sua vida indo para a timeline. Passamos, atualmente, segundo o mesmo relatório, 1/3 do ano no celular. Sim, é assustador.

Enquanto isso, o trabalho perdeu potência. Perdemos 2h40 por dia em trocas de aplicativos e interrupções (Harvard Business Review). 61% admitem checar WhatsApp durante reuniões (Opinium 2024). 35% dizem abrir o celular automaticamente sem perceber (Deloitte). Não é falta de disciplina. É arquitetura tecnológica desenhada para sequestrar atenção. E funciona.

A consequência é invisível, mas brutal: há uma inflação de esforço e uma recessão de resultado. Trabalhamos mais horas, produzimos mais volumes, geramos mais movimento, e entregamos menos pensamento, menos profundidade, menos estratégia. Produtividade não caiu porque as pessoas ficaram preguiçosas.

Caiu porque o mundo ficou barulhento demais para pensar.

Não é descanso que falta. É silêncio.

O que você sente não é preguiça. É abstinência de atenção. Seu cérebro nunca mais ficou sozinho. E ele está gritando.

Compartilhe

Leia também