No Brasil, mais de 90% das empresas são familiares. Elas impulsionam a economia, geram empregos, movimentam setores inteiros. Mas, ao mesmo tempo em que carregam força e história, também enfrentam desafios únicos. A proximidade emocional entre os envolvidos, a falta de processos claros e a ausência de planejamento sucessório são alguns dos fatores que, se não forem tratados com estratégia, podem comprometer a continuidade do negócio.
É nesse ponto que os conselhos estruturados entram como uma ferramenta essencial. Eles ajudam a criar um espaço de diálogo qualificado, fortalecem a governança e ampliam a visão do negócio para além da dinâmica familiar. Mais do que um mecanismo de controle, os conselhos funcionam como um ponto de equilíbrio entre legado e futuro, entre tradição e inovação.
De legado a estratégia
Negócios familiares carregam não só números, mas emoções. Decisões, muitas vezes, são guiadas por vínculos afetivos, o que pode ser uma fortaleza, mas também um ponto cego. A profissionalização via conselhos estruturados permite transformar esse legado em estratégia.
Na Droom, empresa em que eu e meu pai atuamos, a criação de um conselho deliberativo com membros independentes trouxe uma nova camada de inteligência para o nosso processo decisório. Passamos a discutir com mais profundidade temas estratégicos, olhar com mais rigor para riscos e oportunidades, e construir uma cultura de transparência que fortalece não só a operação, mas também as pessoas envolvidas.
O impacto da governança na sucessão
Como atual vice-presidente do Conselho da Droom, eu vivo, na prática, os dilemas da transição geracional. Existe um desafio emocional e simbólico muito grande em assumir um papel de liderança quando o fundador ainda está presente, ativo e apaixonado pelo negócio, como é o meu caso.
O conselho trouxe a nós dois uma nova forma de diálogo. A figura da filha deu espaço à conselheira preparada para debater, planejar e decidir com base em objetivos comuns — os da empresa, e não apenas os da família. Claro que são duas visões que, em muitos momentos, se fundem, mas a presença de um papel institucional, com escopo definido e acompanhamento próximo de profissionais preparados e independentes torna o caminho muito mais seguro de se trilhar. Isso não elimina os desafios, mas oferece um novo equilíbrio.
Conselhos como alavancas de performance
Conselhos estruturados vão além de validar decisões: eles moldam a forma como as empresas pensam o futuro. Com diversidade de perfis e olhares externos, eles ampliam a capacidade analítica da liderança e promovem uma cultura de responsabilidade compartilhada.
São também um dos pilares mais eficazes para profissionalizar a gestão sem descaracterizar a essência da empresa familiar. Permitem lidar melhor com riscos, antecipar movimentos do mercado e estruturar processos de sucessão com mais preparo técnico e emocional. Além disso, são espaços onde pautas como sustentabilidade e inovação deixam de ser periféricas e passam a integrar a estratégia central do negócio.
Estudos do IBGC, da Grant Thornton e da McKinsey já apontam que empresas familiares que contam com conselhos bem constituídos, com membros externos e independentes, têm maior longevidade, melhor desempenho financeiro e conseguem conduzir com mais solidez seus processos de transição e expansão. E um ganho significativo quando consideramos as dificuldades inerentes a construção de negócios que se perpetuem ao longo do tempo, com entregas sólidas para os clientes e geração de valor para os acionistas.
Comece pelo essencial
Se você pertence a uma família empresária e ainda não estruturou um conselho, minha sugestão é simples. Comece. Não precisa ser complexo. Um conselho consultivo com reuniões regulares, pautas claras e pessoas certas, selecionadas levando em conta aspectos que precisam ser fortalecidos no negócio, já faz uma diferença enorme.
A maturidade organizacional não acontece do dia para a noite. Mas ela precisa começar de algum lugar. E, para mim, esse ponto de partida é olhar para a governança não como um processo burocrático, mas como um ato de coragem, de abrir espaço para o novo, para o diferente e, principalmente, para o futuro.