Por Marcos Freitas, CEO e fundador da Seja AP.
Empresas que planejam sozinhas, na cabeça do dono, crescem até certo ponto e depois travam. As que ouvem o mercado, o time e os clientes conseguem mudar de posição, como fez a Havaianas.
Todo começo de ano é a mesma cena: dono de empresa trancado numa sala, criando o planejamento estratégico do próximo ciclo. Sozinho. Ele define metas, objetivos, novos produtos, até a frase de “propósito”. Sai dali achando que está no controle.
Mas a verdade é dura: quem planeja sozinho, enxerga pouco. E quem enxerga pouco, cresce pouco.
O erro está na origem: muitos empresários ainda acham que a empresa é o que eles veem. Só que a empresa não é feita apenas pelo olhar do dono. Empresa é feita pelo olhar do funcionário, do cliente, do fornecedor, do mercado e até do governo.
Se você monta suas estratégias sem considerar esses olhares, o seu negócio vai travar, e a chance de você desenhar uma estratégia bonita, porém inútil, é enorme. O seu campo de visão, como dono, tem limite. E quando esse limite chega, você bate no teto
Planejamento estratégico não é sobre “o que eu quero”, é sobre “o que o mercado está pedindo”
Empresário maduro sabe: planejar não é sonhar.
Planejar é olhar friamente para onde você está, enxergar onde pode chegar e conectar isso à realidade do mercado. Na minha empresa de consultoria e treinamentos, a Seja AP, a gente sempre começa o planejamento ouvindo.
- O que o colaborador está vendo que o gestor não está?
- Que reclamações estão chegando do cliente?
- Que mudanças de consumo o mercado está mostrando?
- Que regulações ou impostos podem afetar meu setor?
Essas perguntas valem ouro. Porque é ouvindo os outros que você enxerga o que sozinho não enxergaria.
E não é só percepção, há dados que comprovam isso.
Segundo o relatório The State of Employee Listening 2024, produzido pela consultoria americana Perceptyx, empresas que têm práticas maduras de escuta ativa de seus colaboradores, ou seja, que realmente ouvem e consideram o que o time tem a dizer, apresentam resultados significativamente melhores em desempenho financeiro, satisfação dos clientes e retenção de talentos.
Em outras palavras: quem ouve, cresce. Quem decide sozinho, trava. O dado reforça o que vemos na prática todos os dias, o sucesso de uma empresa está diretamente ligado à sua capacidade de enxergar o negócio por diferentes pontos de vista, e não apenas pela cabeça do dono.
E isso não é teoria. Foi assim que a Havaianas deixou de ser “a sandália de pedreiro” para virar a sandália que a celebridade usa na passarela.
A empresa poderia ter insistido na visão original, preço baixo, uso popular, foco no básico. Mas ouviu o mercado: havia espaço para design, cor, collab, branding, presença internacional. Isso é planejamento estratégico feito a partir do mercado, não do ego do dono. E deu certo.
Quando o dono vira gargalo, a empresa para
Vou contar um caso real. Um empresário participou do meu treinamento de 3 dias, o Alta Performance nos Negócios. Enquanto ele estava no evento, acabou a água do bebedouro da empresa.
O que o funcionário fez? Ligou para ele para perguntar qual marca de água deveria comprar. Isso não é zelo. Isso é medo.
É o sintoma clássico de uma empresa que depende demais do dono. Se o dono não aprova, ninguém decide. Se ninguém decide, nada anda. Se nada anda, o dono fica sobrecarregado. E, quando o dono fica sobrecarregado, a empresa trava.
Alta performance não combina com centralização. Quando a empresa tem três pessoas, dá para decidir tudo sozinho. Quando tem 30, 100 ou mil, fica impossível.
O papel do dono não é ser o executor, é ser o estrategista. É garantir que o time entenda a visão e tenha autonomia para agir.
Planejamento não é PowerPoint bonito
Tem empresário que acha que fazer planejamento é escrever frases inspiradoras, colocar números irreais e pendurar na parede. Não é. Planejamento estratégico tem método.
Planejar é:
- Diagnóstico (onde estou?)
- Direcionamento (para onde vou?)
- Desdobramento (quem faz o quê?)
- Acompanhamento (está funcionando?)
Quando se entra para fazer o planejamento de um cliente, a primeira coisa que deve ser feita é um diagnóstico profundo da empresa, financeiro, comercial, de pessoas e de marketing.
A partir daí, se constrói um plano que faz sentido para a realidade da empresa, não para o sonho do dono.
O plano normalmente tem:
- Metas por área (porque meta genérica ninguém cumpre);
- Responsabilidades claras (quem é dono do quê);
- Rituais de acompanhamento (reuniões semanais/mensais);
- Indicadores que medem o que importa (faturamento, margem, CAC, NPS, produtividade, rotatividade de time).
E o mais importante: todo mundo entende para onde está indo.