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Sem governança de dados, projetos de IA fracassam nas empresas

Foto: divulgação
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Por Sandro Balbuena, líder de novos negócios da Strategy Brasil.

Nos últimos anos, a IA expandiu os limites do que é possível em análise de dados. No entanto, uma infinidade de iniciativas de IA estão sendo descartadas em diversas organizações. Essa realidade comum e recorrente que está levando ao fracasso de projetos de IA ocorre porque nenhuma inovação dá certo sem dados de alta qualidade.

A nova geração de IA generativa, agentes autônomos e arquiteturas avançadas fez muitos executivos acreditarem que modelos de algoritmos mais sofisticados compensariam fundamentos frágeis e falhas de dados históricos.

A realidade mostra o oposto: a gestão de qualidade de dados voltou ao centro das preocupações corporativas, à frente de qualquer inovação algorítmica.

Na prática, isso significa que projetos de IA continuam sendo abandonados não por falta de tecnologia, mas porque decisões críticas ainda se apoiam em informações inconsistentes, incompletas ou sem governança mínima.

Dados como matéria-prima de negócio

Para executivos ou áreas de negócios, a qualidade de dados pode soar abstrata, mas o conceito é simples: trata-se de garantir que as informações usadas por pessoas e algoritmos sejam corretas, atualizadas, completas, rastreáveis e compreensíveis.

Isso vale tanto para dados estruturados, como vendas, estoques, cadastros e transações quanto para o universo em rápida expansão de documentos, textos, imagens e registros de sistemas, hoje essenciais para treinar e refinar modelos generativos.

Sem esse cuidado, a empresa corre o risco de ter um “super cérebro” de IA alimentado por uma base de fatos distorcida, o que leva a alucinações, previsões tendenciosas e recomendações incoerentes do ponto de vista de negócio.

O risco de escalar IA com dados ruins

Garantir a qualidade dos insumos de inteligência de informações exige um nível de rigor, transparência e gestão do ciclo de vida de dados diferente do que muitas organizações previram inicialmente.

À medida que as iniciativas de IA passam da fase de prova de conceito para a produção, a ênfase na qualidade dos dados torna-se ainda mais acentuada.

Vale lembrar que em análise de dados, um ambiente de produção é o cenário operacional e “real” onde os modelos de dados, algoritmos ou relatórios finalizados são implementados para uso real por usuários ou sistemas. É a etapa final, que vem depois dos ambientes de desenvolvimento e teste, onde a experimentação e a validação são realizadas.

Enquanto a IA está em piloto, a organização tolera desvios: o objetivo é aprender, errar barato e ajustar rota. Quando a mesma solução passa a orientar crédito, precificação, recomendações a clientes ou decisões operacionais, o espaço para erro desaparece. 

Nesse momento de virada para produção, pequenas discrepâncias em cadastros, falhas de integração ou ausência de padrões passam a minar a confiança dos usuários e a derrubar a adoção dos sistemas inteligentes. 

É também na fase de produção que as equipes descobrem a rapidez com que as inconsistências nos dados minam a confiança, a adoção e, em última instância, a viabilidade comercial da IA.

Em modelos maiores e mais complexos, cada ruído é amplificado: o custo de uma previsão enviesada ou de uma recomendação equivocada se replica em escala, afetando margens, compliance e reputação de marca.

Linha de produção de dados sob controle

Uma inflexão importante está em curso: líderes de dados estão saindo de ações pontuais de “faxina” para construir esteiras contínuas de monitoramento de qualidade.

Em vez de corrigir a base apenas em projetos específicos, empresas de referência estão adotando indicadores formais de qualidade, alertas automáticos de anomalias e responsabilidades claras para cada domínio de dados.

O escopo também se ampliou: além do dado em si, entram em cena a qualidade de metadados, a transparência de linhagem (saber de onde veio e por onde passou cada informação) e acordos explícitos entre produtores e consumidores de dados dentro da organização.

Esse arcabouço passa a ser tratado não como burocracia técnica, mas como infraestrutura estratégica para que aplicações de IA sejam explicáveis, auditáveis e fáceis de corrigir quando algo sai do trilho.

Cultura e alfabetização de dados

Muitas empresas ainda não sabem definir quem responde pela qualidade de conjuntos de dados específicos nem o que significa “dado bom” em termos mensuráveis. 

As organizações que avançam mais rápido são justamente as que deslocam o tema de TI para o centro da cultura corporativa, tratando a qualidade de dados como responsabilidade compartilhada entre áreas de negócio, tecnologia, finanças, risco e compliance.

Isso envolve investir em letramento de dados, comunicar padrões de forma contínua e incluir checagens de qualidade tanto nos processos que geram dados (cadastros, contratos, registros operacionais) quanto nas etapas em que eles são consumidos, em painéis, modelos de IA ou decisões automatizadas.

Extrair o valor real da IA deve ser prioridade em 2026

A IA está se tornando operacional, integrada e essencial. Como resultado, as organizações não devem ver mais a qualidade dos dados como um aprimoramento opcional, mas sim como um pré-requisito estrutural para a IA escalável.

Ao colocar qualidade de dados no topo da agenda, a discussão deixa de ser “qual modelo usar” e passa a ser “quão confiáveis são as informações que alimentam qualquer modelo”.

Em um cenário em que a IA se torna operacional e embutida em processos de ponta a ponta, as organizações que encararem dados como ativo de infraestrutura, com padrões claros, governança robusta e participação ativa das áreas de negócio, tendem a extrair valor real de IA, enquanto as demais continuarão descobrindo, tarde demais, que não há modelo capaz de compensar um alicerce frágil.

Para concluir, a mensagem aqui é clara: decisões corretas só podem ser tomadas com base em dados confiáveis e consistentes. Informações bem gerenciadas são a base para toda e qualquer inovação futura.

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