Por Adriana Melo, CFO da SAS Brasil.
“Se ela ganha mais, o casamento balança” é uma afirmação que chama atenção, mas os números mostram algo real: mulheres que ganham mais que seus parceiros se tornaram um grupo crescente.
Ao mesmo tempo, esse avanço econômico não anulou as tensões emocionais, ele apenas as transformou. O cérebro humano continua operando sob padrões ancestrais, conforme explica o neurocientista Dr. A.K. Pradeep. Ele aponta que, mesmo vivendo num mundo de MBA, home-office e fintechs, nosso sistema límbico ainda associa segurança ao provedor tradicional e sobrevivência a quem é protegido.
Em outras palavras, evoluímos nos feitos, mas muitos dos megapadrões internos permanecem.
Essa dissonância se manifesta nas dinâmicas de casal. Quando a mulher conquista poder e renda, ela desafia não apenas o ego masculino, mas também uma construção feminina sobre a própria vulnerabilidade. Durante séculos, o “homem provedor” foi símbolo de status social e validação afetiva.
Hoje, seguimos consumindo narrativas, dos doramas às novelinhas turcas, em que o homem rico, forte e distante salva a protagonista indefesa. Essa ficção reforça um código emocional: mesmo mulher independente, você “deveria” poder ser cuidada.
Não bastasse a ficção, proliferam os gurus do relacionamento que pregam fórmulas como “recupere sua energia feminina” ou “desperte sua força masculina”, como se a renda gerada determinasse o quanto alguém é homem ou mulher.
Esses discursos tocam diretamente o cérebro primitivo e muitas vezes fazem indivíduos estáveis se sentirem diminuídos.
Uma cliente me contou que um colega de trabalho alugou um “triplex” na mente dela: ele pediu o número dela, e ao saber que ela era casada, respondeu: “Então, por qual motivo você precisa trabalhar?”.
Essa frase, aparentemente banal, carrega séculos de condicionamento no qual a ideia de que a mulher que trabalha “sem necessidade” está rompendo um pacto invisível de dependência.
A boa notícia é que há muitos exemplos contrários. Segundo um levantamento da Fortune, em 2012, 18 das maiores executivas do ranking anual tinham, ou já tiveram, um parceiro que assumiu o papel de “dono de casa” em algum momento da vida.
E o cenário se expande: hoje, executivos e empreendedores reconhecem que apoiar a carreira da parceira é uma forma de investimento.
Casais de sucesso no século XXI não seguem papéis predefinidos, eles fazem acordos inteligentes. Avaliam quem tem mais chance de crescer, ajustam prioridades e se apoiam mutuamente em prol de um projeto comum. Garantias jurídicas, como pactos antenupciais ou acordos de convivência, podem evitar dor de cabeça se os cenários mudarem, mas o essencial está no diálogo.
A autora Farnoosh Torabi, em When She Makes More, afirma que em parcerias onde a mulher é a breadwinner (provedora), a balança emocional exige atenção. Ela observa: “Level the financial playing field and be transparent” (alivie o campo financeiro e seja transparente).
Durante sua pesquisa, ela descobriu que mulheres que ganham mais tendem a acumular não apenas renda, mas também a responsabilidade e isso pode gerar estresse e ressentimento.
O livro também alerta que muitos homens sentem ameaça ou deixam de se sentir “importantes” no relacionamento se o modelo tradicional de provedor for quebrado.
Claro que a equação financeira exige prática. Aqui vão cinco práticas reais para casais em que ela ganha mais, de modo que a diferença de renda não vire pivô de distanciamento:
1. Transparência profunda
Conversem sobre o que cada um sente com a dinâmica de renda. O que representa para você que ela ganhe mais? Nomeiem o desconforto antes que vire ressentimento.
2. Gestão conjunta
Mesmo que ela seja mais experiente em finanças, decisões importantes, como investimentos, seguros, legado, devem ser discutidas e decididas em parceria. Pertencer evita que um se sinta excluído.
3. Autonomia equilibrada
Mantenham contas individuais para autonomia e uma conta conjunta para objetivos compartilhados. Essa estrutura preserva identidade e união ao mesmo tempo.
4. Revisão emocional e financeira trimestral
Tal como empresas fazem “quarterly reviews”, reservem um tempo juntos para analisar não só números, mas sentimentos. Como me sinto? O que mudou? Quais tensões surgiram?
5. Planejamento de longo prazo como sócios
Seguro de vida, aposentadoria, patrimônio, sucessão, façam isso como sociedade, não apenas como casal. Quando ambos são sócios do projeto, a renda deixa de ser arma e vira alavanca.
E, no fim, a verdadeira liberdade está em dividir o poder sem medo de perder o amor. Finanças e comportamento caminham juntos, e entender isso é o primeiro passo para viver com mais equilíbrio e ampliar suas escolhas.
Não é sobre quem ganha mais. É sobre quem cresce junto.