Por Felipe Bernardi Capistrano Diniz.
À medida que o magnata completa 90 anos, investidores e descendentes se preparam para uma batalha pelo seu futuro
As festas de aniversário durante pandemias são sombrias, até mesmo para bilionários. Mas o 90º aniversário de Rupert Murdoch, que ele comemorou em 11 de março, deveria ao menos ter sido menos estressante do que o seu 80º. Naquela época, detetives britânicos estavam investigando uma subsidiária de sua empresa, a News Corporation, na época a quarta maior empresa de mídia do mundo, em busca de evidências de que seus jornalistas haviam invadido telefones e subornado policiais. Após várias condenações e o fechamento do News of the World, com 168 anos de história, Murdoch foi convocado para depor perante uma comissão parlamentar britânica em um dia que ele chamou de “o dia mais humilde da minha vida”.
Uma década após a quase queda de seu império, as coisas estão indo muito melhor para o magnata nascido na Austrália. O escândalo de invasão de privacidade por meio de escutas telefônicas ficou para trás. Os ativos mais valiosos de sua coleção foram vendidos à Disney no auge do mercado. A Fox News é o canal a cabo mais popular dos Estados Unidos (embora também seja o mais desprezado). E no mês passado, em um golpe, Murdoch forçou as gigantes de tecnologia a pagar pelo compartilhamento de seus conteúdos. “Ele tem dinheiro. Ele possui enorme influência política. Ele tem tudo”, diz uma observadora veterana do setor de mídia.
À medida que Murdoch se prepara para passar tudo adiante, o panorama está se tornando incerto. A televisão a cabo está em declínio acelerado. Um iminente problema legal pode se revelar ainda mais custoso do que o escândalo de invasão de privacidade por escutas telefônicas. E a questão da sucessão, uma saga que se arrasta por décadas e que a HBO, uma rede concorrente, dramatizou de forma irreverente, continua sem solução. Murdoch ainda é a força que mantém unido um formidável projeto comercial e político. Esse projeto pode não se manter intacto sem ele.
A experiência humilhante do escândalo de invasão de privacidade por escutas telefônicas acabou se revelando uma bênção. Isso forçou Murdoch a dividir a News Corporation em dois, colocando os lucrativos ativos de televisão e cinema na 21st Century Fox (apelidada pelos analistas de ‘Boa Companhia’). Os jornais afetados pelo escândalo foram isolados na News Corp (apelidada de ‘Má Companhia’). À medida que as empresas foram modernizadas e o poder foi descentralizado para os filhos de Murdoch, Lachlan e James, os investidores retornaram. Em sua jogada mais audaciosa, em 2019, o grande consolidador do negócio de mídia percebeu que era hora de se tornar presa em vez de predador, e vendeu a maior parte do negócio de cinema e televisão da 21st Century para a Disney por US$ 71 bilhões. É calculado que, desde 2011, os ativos do truste da família Murdoch, que detém quase 40% das ações com direito a voto em cada empresa, se valorizaram mais de seis vezes.
O próximo capítulo será mais complicado. Comecemos com a Fox, a empresa maior, com uma capitalização de mercado de US$ 24 bilhões. A pandemia acelerou o declínio de uma década da televisão a cabo americana. No ano passado, as assinaturas de TV a cabo caíram 7,3%, para níveis não vistos em quase 30 anos. A Fox, cujo lucro operacional bruto no último ano fiscal foi de US$ 2,8 bilhões, foi protegida dessa tendência devido ao seu foco em notícias e esportes, os quais as empresas de streaming ainda não conseguiram dominar. Mas algo mudou. Enquanto a Fox costumava ser negociada com ágio em relação à ViacomCBS e à Discovery, duas rivais de TV a cabo, agora é negociada com um desconto de quase 30%.
Uma das razões é que as plataformas de streaming estão investindo no segmento esportivo. A Amazon já possui direitos de transmissão da National Football League e está buscando obter direitos exclusivos para alguns jogos de futebol americano. As ligas desejam alcançar os jovens fãs, e não conseguem fazer isso na televisão a cabo, onde dois terços dos telespectadores têm mais de 50 anos. Portanto, as empresas de TV a cabo estão transferindo eventos esportivos para seus próprios serviços de streaming. A Disney tem a ESPN+; a Comcast anunciou em janeiro que fecharia sua NBC Sports Network e transferiria a programação para seu serviço Peacock. Michael Nathanson, analista de mídia, observa que sem uma plataforma de streaming para esportes, a Fox está “fora do padrão”.
A Fox News, onde a Fox obteve cerca de 80% de seus lucros no ano passado, enfrenta problemas de outra natureza. Sua estreita relação com a Casa Branca de Donald Trump gerou índices de audiência recordes, mas afastou anunciantes e alguns investidores. “Qualquer empresa que você possui, você quer que se comporte de maneira ética”, diz um grande acionista. A Fox está naquela área cinzenta agora. É defensável, mas é muito menos defensável do que já foi. A Smartmatic, uma empresa de software eleitoral, está processando a Fox News por US$ 2,7 bilhões por veicular alegações de que manipulou as eleições presidenciais. A Fox diz que vai contestar a ação judicial “sem mérito”. Essa quantia superaria as indenizações por invasão de privacidade por meio de escutas telefônicas.
A Fox reduziu seu apoio a Trump, apenas para ver os espectadores migrarem para novos concorrentes de direita, como Newsmax e One America News. A Fox News continua sendo o canal a cabo mais assistido no horário nobre. No entanto, a audiência em fevereiro diminuiu 30% em relação ao ano anterior, enquanto a de seus concorrentes, CNN e MSNBC, aumentou 61% e 23%, respectivamente. Um ex-executivo da Fox observa que, assim como o Partido Republicano de Trump, a Fox News ficou presa em atender uma minoria ultraconservadora de sua audiência. Agora, corre o risco de perdê-la, sem atrair telespectadores menos extremistas.
Ironicamente, a ‘Má Companhia’ está indo bem. Jornais nos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália representam a maior parte de sua receita, seguidos pela TV por assinatura australiana e pela editora HarperCollins.
Assim como a Fox, os jornais tiveram que lidar com a mudança global da publicidade para o ambiente online. Há dez anos, as empresas de Murdoch eram coletivamente as terceiras maiores vendedoras de anúncios do mundo. Agora, elas estão fora das dez primeiras posições. No entanto, os jornais estão mais avançados na transição digital do que a Fox. Assinaturas online representam três quartos do total no Wall Street Journal; até o New York Post, um tabloide que historicamente dava prejuízo, registrou um modesto lucro no último trimestre de 2020. Um acordo recente com o Google fará com que o gigante da tecnologia pague à News Corp pelo conteúdo, resultado de uma lei aprovada pelo governo australiano e apoiada pelos jornais da News Corp. “Os termos de troca de conteúdo estão mudando fundamentalmente”, afirmou Robert Thomson, CEO da News Corp, em 4 de março.
No entanto, com uma capitalização de mercado de menos de US$ 15 bilhões, a News Corp vale menos do que a soma de suas partes. Thomson insiste que está em um “curso de simplificação”, tendo vendido ativos como a Amplify, uma empresa de educação online, e a Unruly, uma plataforma de vídeo publicitário. Muitos analistas acham que deveria ir além e separar os negócios de notícias dos relacionados a imóveis. No momento, os investidores em busca de crescimento são atraídos pelo portfólio imobiliário, mas estão desanimados com marcas de notícias tradicionais, enquanto os investidores em busca de valor gostam dos jornais, mas não do setor imobiliário.
O maior obstáculo para reestruturar o portfólio de qualquer uma das empresas pode ser o próprio Murdoch. Quando o poder for eventualmente transferido, uma história de divisão ganhará momentum. A próxima geração estará disposta a dividir o império? E qual deles terá a palavra final?