Este ano, a Síndrome de Burnout foi oficializada no Código Internacional de Doenças (CID). Com a pandemia, o número de profissionais diagnosticados com o esgotamento profissional disparou, fazendo empresas reavaliarem metodologias, modos de prevenção e formas de diminuir a sobrecarga corporativa.
O Economia SP Drops aproveitou a oportunidade para conversar com Rui Brandão, CEO da Zenklub, startup especialista em saúde mental e cuidado emocional corporativo. Hoje, a healthtech conta com mais de 300 mil vidas cobertas, 350 empresas, 750 profissionais e 140 colaboradores. Confira abaixo:
Como a pandemia afetou a saúde mental das pessoas?
Rui: Com a pandemia, ao mesmo tempo que o trabalho entrou na casa de muitas pessoas, as emoções, medos e inseguranças quanto ao futuro ficaram mais evidentes. Dados de uma pesquisa do Datafolha com o Zenklub ilustraram bem como a crise sanitária mexeu com a saúde mental das pessoas: 60% dos trabalhadores brasileiros afirmaram que se sentiram sobrecarregados.
Quando questionados sobre os sentimentos que vieram à tona no período, eles afirmaram que tiveram ansiedade (66%), exaustão ou muito cansaço (61%), insônia ou dificuldade para dormir (54%) e depressão (26%). Outros dados da nossa plataforma mostraram que o número de consultas online cresceu 151% no 1º semestre de 2021 ante o mesmo período do ano passado, saltando para 50 mil sessões realizadas por mês.
Já as sessões de terapia citando o tema burnout tiveram um aumento de 1397% quando comparamos o 1º semestre de 2020 com o 1º semestre de 2021. A OMS também estima que 90% da população sofre com o estresse em seu cotidiano. Por isso o problema é considerado também uma epidemia.
Como a pandemia impactou o relacionamento das empresas com a responsabilidade sobre a saúde mental de seus colaboradores?
Rui: A pandemia acelerou dois formatos de trabalho que já estavam em processo de crescimento no Brasil: o home office e o trabalho híbrido, em que o funcionário divide seu expediente entre o modelo presencial e à distância.
Com isso, os psicólogos perceberam um aumento da procura e queixas relacionadas ao trabalho, como liderança, estresse, desgaste e, claro, burnout. De certa forma, o funcionário dorme no “local de trabalho”. Isso fez com que fosse difícil separar o expediente do restante da rotina ou o lado pessoal do profissional. Essa confusão de papéis prolonga o expediente e, consequentemente, o estresse, além de encurtar os horários de descanso e lazer.
É necessário aliviar o estresse e o home office dificulta o intervalo de descanso e alívio, potencializando a exaustão tanto física quanto emocional. Além disso, por muito tempo o tema saúde mental foi visto como um paradigma nas companhias.
Com a chegada da crise sanitária da Covid-19, já há um pouco mais de abertura, mas é necessário que as empresas tenham estratégias claras e estruturadas para tratar, mas também prevenir e desenvolver habilidades emocionais em seus times, afinal, isso também interfere no resultado do negócio.
Muitas empresas adotam ações pontuais como semanas de folga ou recreativas com piscina de bolinhas como ações de bem-estar, que são válidas, mas menos efetivas do que se ter uma olhar para o colaborador. Nossos clientes participam de programas personalizados que começam com o mapeamento do indivíduo e da população, treinamento da liderança, que é fundamental para o sucesso de uma estratégia, rodas de conversa, treinamentos, exercícios e práticas em diferentes formatos sobre saúde mental, saúde emocional e também sobre práticas no trabalho.
Outro ponto que reforça essa responsabilidade é o fato de que desde 1º de janeiro de 2022 a Síndrome de Burnout foi incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID) da OMS e passou a ser uma síndrome ocupacional, ou seja, agora as empresas passam a ter responsabilidade direta e indireta pela saúde emocional de seus colaboradores, reforçando a necessidade do monitoramento de causas e riscos de Burnout no gerenciamento da saúde e segurança do trabalho.
O Burnout foi potencializado pela pandemia e trabalho remoto? Como estão os índices da doença e quais fatores são responsáveis por esses níveis?
Rui: Dados do índice de Bem-Estar Corporativo (IBC), uma ferramenta criada pelo Zenklub para que as empresas tenham um panorama da saúde mental de seus colaboradores, mostrou que o Índice Geral de Bem-Estar Corporativo do mercado brasileiro ainda é médio (49,25 em uma escala de 0 a 100), cujo índice ideal mínimo é de 78. Já em relação à exaustão, os números trazem um alerta: o índice é de 58,75. Neste caso, quanto menor a pontuação, melhor seria o índice e, consequentemente, de bem-estar. Ou seja, há uma necessidade de atenção das empresas ao risco de estafa de seus trabalhadores.
O Burnout é um “fenômeno ocupacional” atrelado ao esgotamento físico e mental relacionado à sobrecarga de trabalho; por isso mesmo, é também chamado de síndrome do esgotamento profissional. A confusão de papéis (o que é casa e o que é trabalho) prolonga o expediente e, consequentemente, o estresse, além de encurtar os horários de descanso e lazer.
Outro ponto a se considerar é que poucas empresas possuem uma cultura empresarial voltada para o bem-estar do indivíduo. Por muito tempo o mercado de trabalho olhava e reconhecia pessoas por práticas e processos braçais e repetitivos, as formas de trabalhar não evoluíram.
Somado a isso, o estigma sobre o assunto no mercado de trabalho, tanto do lado do colaborador que ainda não tem segurança para falar sobre o tema quanto da falta de preparo da liderança e, por muitas vezes, do próprio RH para identificar, acolher e tratar casos. Além disso, vivemos em um cenário de incertezas, causado por uma crise sanitária que provocou mudanças bruscas na vida das pessoas e, consequentemente, no ambiente de trabalho.
A preocupação com saúde mental será uma das mudanças permanentes que a pandemia trouxe?
Rui: Problemas como a ansiedade, estafa e depressão sempre foram parte do ambiente corporativo, mas muitas vezes eram negligenciados ou deixados de lado por ainda serem estigmas ou as corporações não saberem como lidar.
Com a pandemia e todas as mudanças que a mesma acarretou, as empresas (e, consequentemente, os colaboradores) passaram a olhar com mais atenção para o assunto. Tanto é que, em 2022, a síndrome do burnout passou a fazer parte do CID. Se antigamente a preocupação era com o EPI, hoje o mercado começa, sim, a entender que saúde mental impacta diretamente no negócio, não só quando falamos de perda financeira com o adoecimento, mas também sobre performance.
Afinal, pessoas saudáveis, com propósito claro e ativamente desempenhando seu papel formam equipes que trazem resultados positivos para o negócio. Houve um tempo em que colocar uma piscina de bolinhas ou fliperama no escritório era proporcionar bem-estar para o colaborador, hoje, em um mundo corporativo híbrido, é preciso muito mais.
Nossos mais de 350 clientes constroem estratégias voltadas para a saúde mental e emocional de seus times em uma metodologia 360 que começa pelo mapeamento, passa por implementação e engajamento dos times até a mensuração dos resultados dessas estratégias. É preciso olhar individualmente para ter ganhos coletivos.
Como a Zenklub trabalha nesse cenário?
Rui: Monitorar é o primeiro passo para tratar e prevenir. Partimos do princípio da OMS que classifica a saúde como um estado de bem-estar físico, mental e social. A evolução do mercado de trabalho fez com que surgissem obrigatoriedades como o EPI, mas questões relacionadas à saúde mental sempre foram carregadas de estigma e é um tabu para as empresas e colaboradores.
Pensando nisso, o Zenklub lançou duas soluções inéditas para mensurar a saúde mental dos colaboradores e das empresas: o Índice de Bem-Estar Corporativo (IBC) e o Índice de Maturidade de Bem-Estar Corporativo (IMBC). Além disso, é fundamental construir uma estratégia de saúde mental sólida capaz de gerar resultados para o indivíduo, mas também para as empresas. Para nós, do Zenklub, essa metodologia foi criada em quatro pilares:
a) Mapeamento organizacional: instrumentos capazes de diagnosticar como está a saúde e bem-estar do colaborador e também como as práticas adotadas pela organização contribuem para o bem-estar do indivíduo.
b) Elaboração do plano de ação: depois de ter um diagnóstico claro é importante que a empresa tenha um plano de ação que entregue para o colaborador, o RH e as lideranças, ferramentas de educação e desenvolvimento, serviços de saúde mental e bem-estar além de indicadores que mostrem a efetividade do plano.
c) Implementação das estratégias: parceiro operacional especializado e ferramentas tecnológicas que tornem o plano de ação escalável para garantir o alcance para todo o time e além de engajamento dos times.
d) Mensuração contínua: é crucial que haja o acompanhamento contínuo do impacto da estratégia. Nossa ferramenta mapeia toda jornada do colaborador e mensura constantemente a evolução da população, buscando sempre a prevenção e desenvolvimento pessoal e profissional do indivíduo.
Como surgiu a ideia para atuar nesse segmento e como isso mudou durante a pandemia?
Rui: O Zenklub foi criado depois que minha mãe foi diagnosticada com Burnout e senti dificuldade em encontrar em um único lugar auxílio não somente para tratar, como também prevenir problemas relacionados à saúde mental.
Com o aumento de casos de ansiedade, estafa e depressão no ambiente corporativo, entre outros problemas da mesma natureza, especialmente com a chegada da pandemia e todas as mudanças que a mesma acarretou, as empresas passaram a olhar com mais atenção para o assunto e vimos a demanda por nossas soluções explodir.
Hoje, são mais de 300 mil vidas cobertas, 350 empresas no portfólio como XP, Safra, Ambev, Raia Drogasil e Renault. No entanto, apesar desse movimento, a maioria das companhias ainda está aprendendo com o tema, que sempre foi pouco tangível.
Quais os planos para este ano?
Rui: De acordo com dados da International Stress Management Association (ISMA-BR), o Brasil é o segundo país com o maior número de pessoas afetadas pela Síndrome de Burnout. Neste ano, o Zenklub tem como perspectiva reduzir/prevenir os casos de Burnout no país, ajudando empresas e colaboradores a reduzir os níveis de exaustão e esgotamento profissional.
Com isso, nós temos como uma das metas de crescimento deste ano aumentar em 3x o número de sua cartela de clientes empresariais. Hoje, somos responsáveis pela cobertura de mais de 300 mil vidas em 350 empresas.
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