Por David Villalva, cofundador e CEO da Digitalidade, especialista em marketing e em negócios na economia prateada.
Desde muito antes da reforma da previdência elaborada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro e promulgada em 2019 pelo Congresso Nacional, o debate público acerca do envelhecimento era focado nas despesas com aposentados. Quase cinco anos depois o discurso segue o mesmo nos círculos políticos e financeiros. Respeitando o Estatuto da Pessoa Idosa, que define como idosos adultos com idade igual ou superior a 60 anos, hoje, no Brasil, essa população é formada por mais de 32 milhões, segundo o IBGE. Em rápido envelhecimento, com estimativas de passarmos dos 50 milhões de idosos já em 2050, nossos políticos olham para frente e só enxergam gastos, minimizando os direitos de quem contribuiu, a segurança social gerada pelas aposentadorias e negligenciando o potencial socioeconômico do envelhecimento.
Nesse contexto, antes de tudo, vale ressaltar que o envelhecimento é um fenômeno social global proporcionado pelos avanços tecnológicos na medicina, oferta alimentar e aumento da qualidade de vida, por exemplo. Na Europa, a mudança do perfil demográfico levou mais de um século para acontecer, chegando a 25% da população com 65 anos ou mais em 2022. Já no Brasil, foi muito mais rápido. Saímos de 4%, no final da década de 1990, para 10,9% da população com mais de 65 anos em 2022, totalizando 22.169.101 milhões de pessoas (IBGE). Em 2010, esse percentual era de 7,4%, o que correspondia a 14.081.477 pessoas. Um crescimento de 57,4% em doze anos. O ponto negativo disso tudo é que poderíamos ter aprendido com as experiências externas, contornando erros como os atuais e focado no potencial econômico do envelhecimento.
Na Europa, a demanda por novos produtos e serviços para os novos desejos e necessidades dos novos idosos chamou a atenção. A esse mercado, avaliado em € 5,7 trilhões de euros, segundo estudo da Comissão europeia, deu-se o nome de ‘Silver economy’, conceito importado e adaptado do Japão, onde era utilizado desde os anos 70. Nos Estados Unidos adotaram o conceito de ‘Longevity economy’ para seu mercado gigantesco de US$ 8,3 trilhões. No Brasil, como não poderia ser diferente, aqui os adultos com mais de 50 anos movimentam R$ 2 trilhões por ano na indústria de bens e serviços (Data8). Um verdadeiro oceano prateado de oportunidades.
Sendo assim, com cenário promissor onde a população de idosos é crescente e movimenta trilhões de dólares, empreendedores e investidores viram a oportunidade para desenvolver e apoiar soluções para as demandas desse segmento. Surgiu então as ‘AgeTechs’, negócios inovadores de base tecnológica com foco nas necessidades e desejos da população sênior, na chamada economia prateada. Nos Estados Unidos houve uma explosão de iniciativas, com 400 AgeTechs mapeadas pelo ‘AgeTech Market Map.’ Só em 2020, algumas dessas empresas levantaram mais de US$ 1 bilhão em investimento com fundos de capitais de risco e outros investidores. Isso possibilitou o surgimento dos primeiros ‘unicórnios’ na economia prateada daquele país, o termo é utilizado para designar startups com valor superior a um bilhão de dólares em valor de mercado.
Nós, por outro lado, que também utilizamos o termo ‘SeniorTech’, sem consenso sobre quem o cunhou, temos 54 startups brasileiras desenvolvendo modelos de negócios na Silver Economy segundo o ‘Mapa de SeniorTechs’, elaborado pela Ativen. Um número pequeno perto do potencial do nosso mercado. A diferença fica ainda maior quando comparamos com a quantidade de 12,7 mil startups existentes no Brasil (Associação Brasileira de Startups). Esses negócios levantaram mais de 9,4 bilhões de dólares em investimento (Distrito). Por outro lado, as seniortechs, inferindo com base em publicações no LinkedIn de fundos, investidores-anjo e empreendedores, não levantaram sequer 40 milhões de reais nesse mercado promissor.
Enquanto no Brasil, nossa classe política e parte do mercado financeiro transformam trabalhadores aposentados e as pessoas idosas, com seus múltiplos perfis, necessidades e potenciais, em bodes expiatórios para as contas públicas, os países desenvolvidos investem para liderar a nova indústria de bens e serviços voltados para o envelhecimento. São políticas públicas em todas as áreas, da pesquisa, criação, incentivo a fomento. Promovem o potencial daqueles que receberam trilhões de dólares ao longo da vida em investimentos em diferentes níveis educacionais, tanto público quanto privado e outras capacitações profissionais, para fortalecer a roda do progresso social e do desenvolvimento econômico da longevidade.
O mundo seguirá em rápido envelhecimento, cada vez mais tecnológico e digital, com recursos naturais ficando escassos, indústria sendo automatizada com robôs e inteligência artificial. E nosso país, arriscando ser, mais uma vez, financiador da indústria externa, importando tudo que é de ponta e exportando o que tiramos da terra. No entanto, existe o consenso no mundo das startups de que problemas, complexidade e potencial de mercado são insumos básicos para empreendedores. Sendo assim, espero ter estimulado o apetite transformador para o empreendedorismo na economia prateada brasileira, a qual é um prato cheio, principalmente para negócios de impacto social positivo.