Por Fernando Moulin, partner da Sponsorb.
Ainda estou chocado e tentando da melhor e mais impotente forma que posso ajudar a todos os meus amigos, familiares e principalmente desconhecidos nesse cenário distópico (digno dos piores pesadelos) que, enquanto escrevo, acomete todo o Rio Grande do Sul e marcadamente Porto Alegre e a Região Metropolitana.
A verdade é que revejo aqui um contexto tão assustador e parecido com aquele (os de minha geração lembrarão) que foi a chegada e devastação provocada pelo furacão Katrina em New Orleans.
Grande parte da sociedade acredita que o pior das tormentas tropicais, tufões e afins são os ventos, mas não, o que devasta de fato e causa estragos de monta significativa são as chuvas torrenciais e inundações que acompanham estes fenômenos. E principalmente o que em inglês se chama “aftermath”, ou seja, todos os desdobramentos que ocorrem nos dias, semanas e meses após a tragédia “natural”.
Em um período de menos de um mês, ocorreram tragédias similares na Europa, Ásia, EUA e até no deserto do Oriente Médio.
Em um mundo pautado pelo contexto de “permacrisis” (crises permanentes e contínuas), conforme definiu Kate Ancketill em uma de suas concorridas palestras na NRF (estive nesta), mesmo que a sociedade civil e os governos em geral demorem para entender esse novo normal que caracterizará os anos por vir, as marcas e empresas não poderão se dar a este luxo.
Estou em contato com diversos amigos gaúchos, muitos deles executivos. Alguns tiveram que restabelecer gabinetes de crise corporativos similares aos que utilizaram quando do advento da pandemia de Covid-19.
Outros, estão sem planos de contingência para o cenário, mas vêm adotando bom senso e empatia na gestão de equipes e clientes, enquanto desenvolvem o mínimo de planos de recuperação emergencial. Muitos, estão na linha de frente do trabalho voluntário, usando de seu poder para arrecadar fundos e mobilizar pessoas. E assim por diante.
Como reagir quando pessoas morrem por causa de enchentes, centenas de milhares perdem tudo que tinham, e suas próprias equipes encontram-se condições mínimas como água, alimento, luz e um lar? Quando as cadeias logísticas de suprimentos se encontram fragilizadas ou rompidas subitamente, por meses?
É difícil assumir quaisquer prerrogativas ou diretrizes específicas neste tipo de contexto, mas entendo ser fundamental buscar o que há de mais belo e humano dentro de cada um de nós, e trazer para as marcas e organizações competências individuais como empatia, solidariedade, respeito, compreensão e afeto. Que andam esquecidas em um ano no qual somente se fala do artificial da inteligência, quase real mas ainda de máquina.
Não haverá mais qualquer empresa ou pessoa, em lugar algum do planeta, que possa se sentir “imune” a um evento do gênero no futuro. Infelizmente, as mudanças antropocêntricas causadas ao planeta provavelmente não serão reversíveis em décadas.
Assim sendo, toda e qualquer marca necessitará se preparar para esse mundo de crises permanentes e contínuas de forma clara e objetiva, com o mínimo de planejamento prévio e planos ainda mais robustos de gestão de crise baseados em análises de cenários.
Vários acadêmicos da administração (eu incluso) creem que o único real diferencial competitivo de geração de valor das empresas após toda a digitalização em curso passou a ser a experiência superior do cliente.
Entretanto, a gestão da experiência do cliente bem-sucedida cada vez mais integra elementos tangíveis e intangíveis de valor perante os múltiplos stakeholders das organizações, associados à sustentabilidade, governança corporativa responsável, humanismo no trato com os colaboradores e apoio ao bem-estar da sociedade civil.
Os clientes valorizam e valorizarão mais as marcas que estiverem preparadas para estar GENUINAMENTE a seu lado nas crises por vir e nos desafios do dia a dia.
Sem maiores surpresas, vemos como consequência grandes marcas se mobilizando rapidamente para apoiar nesta causa premente, que assola este estado tão importante para o país.
Mesmo que não aumentem suas vendas diretamente, ou sua credibilidade, ou ainda o tão badalado “NPS”, estas organizações estão fazendo o que é certo e honrando parte de sua vocação como instituição. E despertarão ainda mais o orgulho de seus colaboradores, fornecedores e parceiros de negócio. No curto, médio e longo prazo.
Coincidentemente e de forma absolutamente imprevisível, um show musical de épicas dimensões globais, extremamente bem-sucedido financeira e tecnicamente e que vinha sendo planejado há meses, ocorreu enquanto essa tragédia se desenrolava em outra parte do país.
Algumas das marcas mais amadas e importantes do país fizeram parte deste grande esforço, que gerou retorno para o município, para a cadeia de valor do turismo associada, e para os inúmeros fãs da artista celebridade mundial (incluindo eu mesmo).
Não tenho dúvida alguma de que seus organizadores tinham planos de contingência para falta de luz, violência na multidão, mal-estar dos artistas envolvidos, desafios técnicos, problemas de som etc.
Mas, em tempos de crises permanentes, faltou no planejamento avaliar o que custaria haver pensado com maior empatia e adotado uma atitude simpática chamando a atenção de todos, em escala global, para o desastre que naquele momento exato vitimava tanta gente, bem pertinho de quem curtia com justiça ao show tão aguardado.
Não havia qualquer obrigação de que o show ou as marcas patrocinadoras se envolvessem com a temática do desastre social. Ou havia?
É lícito, em tempos de crises permanentes, haver empresas que separam resultados financeiros e de brand awareness de resultados sociais?
É essa reflexão, muitas vezes amortecida em tempos de greenwashing e excesso de “marquetização” das pautas ESG, que quero deixar por aqui a você, leitor.