Por Jorge Ramos, CEO da Idea Maker.
Frequentemente sou indagado por estudantes e recém-formados sobre como planejei minha carreira para atingir as posições que já ocupei. Há uma percepção de que é possível planejar 20-30 anos para obter-se sucesso profissional. E eu sempre digo que não acredito em planejamento de longo prazo, mas em planejamento estratégico e gestão de risco.
Como assim? O futuro é por natureza incerto e com grande frequência somos expostos à mudança drástica de curso. Eu considero que planejar prazos longos para uma carreira só traz uma certeza: a frustração. E para exemplificar eu sempre cito minha experiência de início de carreira.
A primeira jornada profissional
Quando jovem, era fascinado pela eletrônica. Uma “entidade” invisível que juntando peças diminutas conseguia criar funcionalidades incríveis. Decidi então fazer um curso técnico e na sequência o de engenharia eletrônica. Foram nove anos no total. Mas ao me formar percebi que não haveria, naquela época, muito espaço para trabalhar com projetos e concepção de equipamentos no Brasil, o que era o meu desejo para me realizar profissionalmente.
Poderia obviamente partir para pesquisa aplicada ou então trabalhar em áreas correlatas, mas resolvi mudar para a área de software, a qual poderia me trazer uma realização semelhante e com um mercado bem mais amplo no Brasil. Entrei no INPE para desenvolver parte do software de comunicação com o satélite da MECB que seria lançado em alguns anos, e iniciei um mestrado na área de sistemas digitais, com ênfase em software para aprimorar meu conhecimento adquirido durante o curso de engenharia.
Meu desejo era permanecer na área de pesquisa até que, no início de minha dissertação de mestrado, surgiu uma oportunidade de participar do desenvolvimento do software embarcado do avião AMX e eu decidi ir para a Embraer. Era um desafio fascinante dada as limitações tecnológicas da época e o conjunto de funcionalidades que se desejava obter. Abandonar o mestrado não foi uma decisão simples, mas eu entendi que era o momento para me aventurar no ambiente empresarial, afinal não é sempre que surge a oportunidade de trabalhar numa indústria de alta intensidade tecnológica e tecnologia de ponta.
Após seis anos, em meio à crise da Embraer do final dos anos 80, surgiu a primeira oportunidade na área de gestão. Era para gerenciar um grupo pequeno de engenheiros na área de sistemas aerotáticos. Abandonar a carreira técnica não foi uma decisão simples, mas eu pensei: se der errado, eu volto para trás. Foram 17 anos até este ponto, desde quando decidi fazer a escola técnica. Havia planejado estes 17 anos para iniciar minha carreira de gestão? Não. Mas também não tinha feito outro planejamento que inevitavelmente teria me deixado frustrado.
A gestão de risco
Intuitivamente eu fui desenvolvendo o hábito de sempre avaliar possíveis alternativas de futuro próximo e me preparar para poder explorar bem as oportunidades que poderiam surgir. Como? Fazendo cursos, lendo periódicos sobre tecnologia em algumas áreas de minha preferência (na época ainda não havia a WWW). Isto nada mais é que gerir riscos. Muitas vezes associamos risco a algo ruim que pode acontecer, mas na verdade é apenas a probabilidade de algum acontecimento trazer uma mudança de curso. Cabe a nós mesmos tornar o novo rumo bom ou ruim. O futuro é o que nós construímos!
Há uma frase do Steve Jobs que é um grande ensinamento: “O trabalho vai preencher uma grande parte da sua vida. A única maneira de ser realmente feliz é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E o único jeito de fazer um ótimo trabalho é amar o que você faz”.
Foco em explorar o que há de bom em cada oportunidade
E eu sempre digo às pessoas: “Mais importante do que procurar fazer o que você gosta é aprender a gostar do que você faz”. Não sei quem disse isso, mas é algo que eu sempre procurei seguir. Isto te ajuda a aproveitar oportunidades que em um primeiro momento parecia não ter nada a ver com o que você gosta de fazer, mas que depois de um tempo você descobre que está adorando e pensa: “Se soubesse que era tão bom, teria começado mais cedo”. Quando fui para a área de gestão pensei que não iria mais me realizar tecnicamente, mas descobri que podia me realizar tecnicamente de uma forma ainda mais abrangente: através de meu time. E foi assim que fui construindo minha carreira.
A segunda jornada profissional
A Embraer foi uma grande escola para mim. Não apenas pelos inúmeros cursos que me propiciaram, tanto na área de gestão, quanto na área técnica, mas principalmente pelas excelentes oportunidades que surgiram. Em média a cada cinco anos eu embarquei em uma nova oportunidade, um novo desafio. Passei por gestões de desenvolvimento de produtos de várias dimensões, gestão de programas, liderei a área de desenvolvimento de tecnologias por sete anos e quando completava 30 anos de minha graduação me foi oferecido ser CEO da Atech, uma empresa média voltada ao desenvolvimento de sistemas para a gestão do tráfego aéreo, recém adquirida pelo grupo.
Foi então que consolidei minha formação em gestão e governança, gerindo um negócio por completo, com autonomia, e pude finalmente sentir o prazer de cada conquista de contrato, de cada entrega para clientes, de fazer o faturamento crescer e garantir uma margem líquida de dois dígitos, o prazer da construção de um relacionamento com os clientes, e de montar um planejamento estratégico com toda a equipe para um horizonte de 15 anos. Foi uma realização e tanto. Mas também tive que aprender a fazer uma gestão operacional de caixa quase que semanal, visando cumprir com os compromissos com fornecedores e empregados.
Tive que alinhar a cultura da empresa com a do grupo e garantir a adesão à governança, tudo isso sem comprometer a agilidade e a eficiência de uma empresa média. Foram dois anos e meio de muito trabalho, muito aprendizado e de descoberta do prazer de novos tipos de realização. Uma jornada nada monótona, não é? Mas não parou por aí. A Embraer necessitava de um novo “Country President” para a região da Europa, Oriente Médio e África. Uma posição institucional e de gestão corporativa para esta região com cerca de 120 países. Desafios inimagináveis e que jamais teria colocado como meta de um planejamento de longo prazo feito no início de minha carreira.
A jornada em uma startup
A esta altura me aproximava dos 60 anos e certamente as próximas oportunidades poderiam seguir rumos bem diferentes. Decidi aprimorar minha formação em gestão corporativa para poder contribuir cada vez melhor nas posições em conselhos das empresas do grupo e em conselhos consultivos do setor.
Realizei alguns cursos e me certifiquei como conselheiro independente pela INSEAD em 2018, uma instituição renomada na área de gestão e governança corporativa. Em 2020 o grupo precisou passar por uma grande reestruturação e a pandemia emplacou. Eu decidi voltar ao Brasil e iniciar uma consultoria na área de governança corporativa para empresas familiares.
Tive meu primeiro contrato para estabelecer a governança em uma startup e lançar seu banco digital. Um trabalho que acabou se expandindo com a criação por completo de toda a estrutura corporativa, o estabelecimento da governança e da cultura visando a sustentabilidade da empresa, a Idea Maker. Os acionistas me convidaram então para a posição de Presidente do Conselho e CEO, na qual eu me encontro hoje.
Aplicar todo o conhecimento adquirido em uma multinacional à realidade de uma startup é um desafio incrível e muito gratificante. Talvez esta sim teria sido uma meta profissional que eu poderia ter estabelecido ao me formar, mas certamente teria seguido um caminho diferente.