Por Stela Kos, diretora de mobilidade regional da América do Sul e México na TÜV Rheinland.
Há alguns anos muitos apontavam que os carros do futuro seriam conectados, eletrificados e autônomos. Sim, os carros estão cada vez mais conectados e a eletrificação é adotada por muitas montadoras, que oferecem veículos movidos por energia elétrica ou híbridos, mas e os carros que dirigem sozinhos, quando eles devem chegar?
Muitos podem argumentar que eles já estão entre nós, pois veículos da Waymo, popularmente chamados de “robotaxis”, já fazem corridas nas cidades de Austin, Los Angeles, São Francisco e Phoenix, nos Estados Unidos.
A experiência da empresa de transporte fornece lições e aprendizados para as montadoras e desenvolvedores, que podem avaliar qual a tecnologia embarcada, o tipo de conexão necessária quando os táxis precisam se comunicar com a central, outros dispositivos ou máquinas e até bugs que geraram, em casos passados, paralisações de vias públicas.
Problemas legais e estruturais
O processo que ocorre nos Estados Unidos pode ajudar o Brasil a conhecer os desafios que precisam ser superados, sejam eles legais ou estruturais. A Waymo é uma empresa e qualquer acidente causado pelos veículos é sua responsabilidade. No caso de veículos que pertencem a uma pessoa física quem seria o responsável? A montadora, a empresa que desenvolve o software, a inteligência artificial ou o proprietário?
No aspecto jurídico, desde meados de 2023 tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.317 de 2023, que altera a Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, para regulamentar os veículos autônomos terrestres. O texto do PL sugere que a responsabilidade por acidentes ou infrações de trânsito seja solidária ou exclusiva entre o fabricante ou seu representante no Brasil e o proprietário, ou condutor, conforme o caso. A proposta também estipula que os veículos autônomos terrestres somente poderão circular providos de seguro contra acidentes. Ou seja, do ponto de vista legal, pouco caminhamos com a questão dos veículos autônomos.
Além da questão jurídica, há também a infraestrutura. Para que os sistemas de suporte ao motorista – chamados ADAS (Advanced Driver-Assistance System ou Sistema Avançado de Assistência ao Motorista, em português) funcionem adequadamente, as vias também precisam estar equipadas com uma estrutura tecnológica.
O ADAS reúne tecnologias de condução semiautônoma para auxiliar o motorista na condução de veículos automotores, e muitas dessas funções já estão disponíveis nas versões de topo de linha de veículos considerados de “entrada” como hatchs e sedãs pequenos fabricados no Brasil.
Estas tecnologias, que compõem o chamado nível de automação 1, funcionam com base em sensores, radares, câmeras e incluem o controle de cruzeiro adaptativo, frenagem automática, alerta de mudança de faixa, e até o park assist, que auxilia a estacionar o veículo, mas com o controle de aceleração e a frenagem sob responsabilidade do motorista.
O ADAS traz benefícios aos proprietários dos veículos, aos demais motoristas e à população no geral. O alerta de mudança de faixa, por exemplo, pode auxiliar um condutor que esteja com sono ou mesmo distraído a fazer a correção da trajetória do veículo, já o alerta do ponto cego aumenta a segurança de motociclistas, pois a tecnologia avisa o motorista da presença de uma motocicleta, que pode estar trafegando no “corredor”.
Mas para que todos esses benefícios funcionem de forma adequada, além do trabalho desenvolvido pelas montadoras, empresas de tecnologia e certificadoras, que precisam realizar testes dentro das condições para as quais as tecnologias foram desenvolvidas para funcionar, existem outros fatores como a condição das vias, calçadas e a área de cobertura da conexão 5G.
Um exemplo simples está no alerta de permanência de faixa e no assistente de permanência de faixa, tecnologia mais avançada na qual o próprio veículo faz a correção da trajetória. Para que qualquer uma delas funcione a faixa precisa estar pintada, caso contrário a tecnologia não é capaz de identificar se o veículo saiu do trajeto determinado.
Outros exemplos onde as condições das estradas podem afetar o funcionamento de sistemas de suporte ao motorista incluem a presença de buracos que podem ser interpretados como obstáculos e o veículo pode frear bruscamente ou fazer desvios inesperados, que podem causar acidentes. Os buracos também podem causar danos aos sensores e muitas vezes manutenções de emergência podem não ter sido atualizadas a tempo nos mapas que os veículos autônomos utilizam.
Automação e responsabilidades
O nível de automação de um veículo vai de 0 a 5. No nível 2, o veículo já é capaz de rodar sem a intervenção humana por alguns segundos, mas a monitoração do ambiente viário e o controle em caso de emergência ainda são feitos pelo motorista. No nível 3, o monitoramento do ambiente é feito pelo próprio veículo e apenas o controle em caso de emergência pelo condutor humano. Já nos níveis 4 e 5, o controle em caso de emergência também passa a ser responsabilidade do veículo, a diferença é que no 4 a ação do motorista pode ser opcional em situações determinadas e no 5 as pessoas são apenas passageiras.
Além de todos os componentes mecânicos, elétricos e mesmo eletrônicos existentes em um carro comum, conforme o nível da automação aumenta, cresce a quantidade de tecnologias em desenvolvimento embarcadas no veículo e treinadas em situações simuladas do que pode ocorrer no trânsito. E, simular todas as possibilidades de situações inusitadas não é uma tarefa exatamente simples.
O trânsito, seja nas rodovias ou mesmo nas cidades, não é composto apenas por outros veículos que trafegam em vias sinalizadas com motoristas que seguem todas as leis e pedestres que atravessam a rua apenas na faixa. No caso do Brasil muitas vias têm buracos, placas não recebem manutenção ou são vandalizadas e até mesmo furtadas, pedestres precisam atravessar rodovias por falta de passarelas e após uma forte chuva muitos semáforos deixam de funcionar adequadamente.
O proprietário do veículo também precisará estar atento e realizar as manutenções conforme as orientações do fabricante. No caso de ocorrerem pequenos acidentes, sem grandes avarias, mas que podem danificar algum sistema do veículo, o conserto da peça precisa ser feito e o sistema testado para checar se funciona como foi programada pelo fabricante ou necessita de uma nova calibração.
A tecnologia tem o papel de ajudar o ser humano e a automação veicular pode reduzir as fatalidades e salvar 1,19 milhão de vidas por ano, que são perdidas no trânsito segundo o Relatório de Segurança Viária da Organização Mundial de Saúde (OMS). A automação é ainda mais importante no Brasil, onde as mortes no trânsito têm apresentado uma tendência de elevação nos últimos anos e subiram de 32 mil, em 2019, para 34 mil, em 2022, segundo dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde.
A jornada no desenvolvimento do carro autônomo pode estar levando um tempo maior do que muitos previam, seja pela necessidade de ajustes na legislação, testes em ambientes controlados ou para melhorar a infraestrutura viária e de conexão. Mas seu desenvolvimento tem permitido o acesso a novas tecnologias ADAS que já ajudam o condutor. No entanto, mesmo que possamos desfrutar do nível 5 de automação, agentes públicos, empresas e pessoas ainda precisam estar cientes de que elas são responsáveis para a segurança no trânsito.