Em um cenário geopolítico cada vez mais polarizado, a disputa comercial entre Estados Unidos e China vai além de tarifas e acordos bilaterais. Ela afeta cadeias globais, redes de fornecimento, decisões estratégicas e, como não poderia deixar de ser, o equilíbrio econômico de regiões inteiras. A América Latina, por estar no centro de muitas dessas cadeias produtivas, tem vivido intensamente os desdobramentos dessa rivalidade.
A disputa começou com medidas pontuais, mas rapidamente escalou para uma guerra tarifária que impacta setores inteiros. E embora os protagonistas estejam nos extremos do mapa, os efeitos se alastram por todo o continente latino-americano, alguns positivos, outros alarmantes.
Brasil: uma janela estratégica no agronegócio
O Brasil, por exemplo, viu no setor agrícola uma oportunidade inesperada de expansão. Com a redução das importações de grãos dos Estados Unidos por parte da China, uma reação direta às tarifas impostas —, o país asiático ampliou sua demanda por produtos brasileiros, especialmente soja e milho. Essa nova dinâmica reposicionou o Brasil como um parceiro-chave no fornecimento de alimentos para o gigante asiático, impulsionando as exportações e gerando ganhos expressivos no campo.
Entretanto, esse movimento também evidencia um risco: a dependência crescente da China como principal destino dessas exportações. Em tempos de instabilidade, uma balança comercial muito concentrada pode virar contra o exportador, especialmente se houver mudanças políticas, climáticas ou logísticas.
México: perdas no curto prazo, mas reposicionamento em curso
Para o México, o impacto tem sido mais direto e imediato. Como economia fortemente conectada aos Estados Unidos, o país sentiu os reflexos das tensões comerciais com maior intensidade. Tarifas sobre aço, alumínio e produtos industriais comprometeram setores inteiros, com queda na produção e no investimento.
Algumas projeções apontam retração econômica nos próximos trimestres, o que acendeu o alerta para a necessidade de diversificação comercial. Apesar dos desafios, o México também começa a se reposicionar, atraindo empresas que buscam alternativas ao mercado chinês por meio do chamado “nearshoring” — estratégia que consiste em realocar cadeias produtivas para países mais próximos dos consumidores finais.
Argentina: crise interna amplificada pelo cenário externo
A Argentina, já fragilizada por questões internas como inflação alta, dívida pública crescente e desvalorização cambial, viu sua situação se agravar com os efeitos indiretos da guerra comercial. A instabilidade nos mercados internacionais afetou a confiança dos investidores, pressionou o risco país e reduziu a previsibilidade para exportadores.
Em meio a esse contexto, as cotações futuras do peso argentino dispararam e os indicadores de crédito sofreram rebaixamentos. O país vive um momento delicado, em que qualquer abalo externo amplia a instabilidade interna.
Chile: pressões sobre cadeias exportadoras
No Chile, os impactos vêm sendo sentidos especialmente nos setores altamente integrados ao mercado americano. Produtos como salmão, frutas frescas e vinhos — que têm os Estados Unidos como um dos principais destinos, enfrentam agora um ambiente mais hostil, com tarifas adicionais e concorrência mais agressiva de outros mercados.
Apesar disso, o país também tem demonstrado capacidade de resposta, buscando novos acordos comerciais, fortalecendo relações com a Ásia e apostando na sustentabilidade como diferencial competitivo para seus produtos.
Oportunidades e lições para a América Latina
O que se observa em comum entre os países da América Latina é a urgência de revisar suas estratégias comerciais e industriais. A guerra comercial entre EUA e China é, ao mesmo tempo, um alerta e uma oportunidade. Alerta para a dependência excessiva de mercados específicos; oportunidade para reposicionar cadeias produtivas, atrair investimentos estratégicos e fortalecer acordos intra-regionais.
Para os governos, trata-se de uma chance de fomentar políticas industriais modernas, com foco em inovação, tecnologia e sustentabilidade. Para as empresas, é o momento de pensar globalmente, investir em governança, e buscar mercados mais resilientes às oscilações geopolíticas.
A disputa entre gigantes ainda está longe de acabar. Mas se há algo que a América Latina pode — e deve — fazer, é aprender com o cenário e se posicionar, de forma estratégica, como parte relevante da nova ordem econômica mundial.