Por Fred Amaral, CEO e fundador da Lerian.
Durante anos, o modelo SaaS foi celebrado como o ápice da inovação. Reduziu barreiras técnicas, acelerou a adoção de tecnologia e abriu caminho para uma era de crescimento rápido e, em muitos casos, pouco criterioso. Bastava apenas um cartão de crédito para integrar soluções complexas ao core de qualquer operação.
Mas todo modelo, por mais eficiente que pareça, tem prazo de validade.
À medida que o ambiente macroeconômico se transformou e o custo do capital aumentou, empresas passaram a olhar com mais rigor para seus contratos recorrentes.
O que antes era sinônimo de conveniência passou a ser visto como uma dependência operacional com retorno decrescente. Em vez de gerar vantagem competitiva, muitos sistemas SaaS tornaram-se commodity de alto custo.
Surgiu, então, a pergunta que hoje atravessa conselhos e comitês executivos e recentemente impulsionada em fóruns do Web Summit Rio 2025: o modelo SaaS ainda é compatível com os desafios de inovação e eficiência das empresas atuais?
O colapso silencioso do seat-based SaaS
Hoje, empresas médias chegam a gastar entre 7 e 11 mil dólares por colaborador/ano em SaaS. E uma parte significativa dessas licenças não é sequer utilizada, fenômeno que recebe o nome de shelfware, ou seja, software que foi adquirido, mas nunca saiu da prateleira digital.
O problema não é apenas financeiro e, sim, estrutural. O modelo seat-based de licenças cobradas por usuário transforma o software em um custo fixo crescente, descolado do valor efetivamente gerado. Em cenários de ajuste financeiro, torna-se insustentável, além do fator de dependência total: pare de pagar e o sistema desliga, sem valores residuais e sem ativos internos.
A limitação estratégica do SaaS
Soluções SaaS tradicionais foram construídas para escalar horizontalmente e isso exige padronização onde uma única base de código atende milhares de clientes. É eficiente para o fornecedor, mas limitante para o cliente, especialmente quando customização, controle e integração profunda são fatores críticos de sucesso.
APIs engessadas, filas intermináveis de feature requests, conectores frágeis e silos de dados fazem com que os times de engenharia dediquem mais tempo contornando restrições do que criando diferenciais.
E quando IA e low-code começam a democratizar o desenvolvimento sob medida, a lógica muda: por que pagar caro por algo genérico, se é possível construir algo próprio com mais rapidez, flexibilidade, retorno estratégico e que atende as necessidades peculiares de todo negócio?
Quando o software começa a devorar a margem de receita
Setores de margem apertada já entenderam o risco do SaaS como um pedágio caro a se pagar, por exemplo:
- Fintechs que escalam e veem o custo de transação subir proporcionalmente ao volume de clientes em sua base;
- Healthtechs que pagam até 60% da receita em licenças de cobrança e EHR;
- Transportadoras com lucro prejudicado por tarifas de cobrança por rota, usuário, acesso ou afins.
Em todos esses casos, o modelo SaaS falha em acompanhar a escalabilidade do negócio. Ao invés de impulsionar, limita. E ao limitar, o negócio deixa de crescer e inovar.
O que o novo ciclo exige como playbook corporativo
Estamos diante de um redesenho das prioridades corporativas e o que o mercado demanda agora é claro:
- Codebase control: visibilidade e domínio sobre o código que sustenta o negócio;
- Deep customization: soluções moldáveis à realidade da empresa, não limitadas a checkboxes;
- Long-term flexibility: liberdade para mudar de fornecedor, de infraestrutura, de estratégia sem dificuldade e sem perder histórico;
Poucos SaaS legados conseguem entregar esses três pontos mencionados acima. O open source, por outro lado, entrega por definição base.
Open source como vetor de autonomia para as empresas
Já há algum tempo que o open source deixou de ser entretenimento de desenvolvedor no seu tempo livre. É pilar de estratégia corporativa. Isso porque a ausência de licença elimina a repetição de custo, a neutralidade do fornecedor permite migração ou internalização conforme necessário, a transparência do código fortalece segurança, compliance e confiança e a arquitetura flexível e modular permite construir soluções sob medida e necessidade de cada empresa.
Sim, requer time técnico trabalhando na solução e bons insights sobre o negócio. Mas agora o investimento fica guardado internamente e constrói ativos, retém conhecimento e reduz a dependência, fatores importantíssimos para a manutenção de um ecossistema de inovação e intraempreendedorismo. E quando necessário, há a opção de modelos de open source gerenciados que equilibram autonomia com conveniência.
O mercado já entendeu
O setor financeiro está unindo-se em torno de stacks abertas como Apache Fineract. Quase todo o arsenal de desenvolvimento corporativo já é open source: Kubernetes, Terraform, Git, Prometheus. Até a nuvem sofre questionamento: a 37signals vem sendo um case relevante ao economizar milhões e repatriar da AWS para bare metal (tipo de servidor físico dedicado, sem camada de visualização ou sistemas operacionais compartilhados entre múltiplos usuários).
Na fronteira da IA, empresas treinam modelos abertos localmente para evitar riscos com APIs externas. Estamos diante de um movimento de retomada da autonomia tecnológica.
Na fronteira da inteligência artificial, modelos abertos on-premises estão substituindo APIs externas para evitar riscos regulatórios. Estamos assistindo a uma retomada global da autonomia tecnológica.
Tendências de quem constrói e de quem compra
Se você constrói software, saiba que um core fechado e contratos seat-based formam hoje uma proposta defensiva. O mercado valoriza empresas que oferecem: código aberto (total ou parcial), múltiplas opções de deploy (SaaS, self-hosted, BYOC) e precificação baseada em uso real.
Se você compra software, esse é o momento para se reorganizar. Elimine shelfware, renegocie contratos, exija portabilidade, revise a arquitetura e forme um time plataforma com capacidade técnica de orquestrar essa transformação.
O SaaS não está morto, mas o modelo tradicional está sendo desafiado em sua essência. Assim, vivemos o início de uma era em que liberdade, controle e eficiência passam a ser inegociáveis.
O futuro é de quem entende que conveniência sem autonomia é armadilha. O open source não é o fim do SaaS, e sim o início de um ciclo mais inteligente, flexível e estratégico para todos. Na Lerian, por exemplo, chamamos isso de freedom at the core. E estamos apenas começando.