Search

Agências de fomento: quando o interesse público é renegociado à margem da lei

Foto: divulgação.

Por Reinaldo Corrêa da Silva Meyer, advogado especialista em Direito Administrativo e Empresarial.

Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado uma silenciosa, mas preocupante transformação no papel das Agências de Fomento estaduais.

Criadas com o nobre objetivo de estimular o desenvolvimento econômico regional, essas instituições vêm assumindo uma nova e controversa função: a de agentes substitutos do Estado em decisões de grande impacto financeiro, porém com baixa transparência, pouco controle institucional e crescente risco de desvio de finalidade.

Um exemplo ilustrativo desse cenário é o recente caso da Agência de Fomento do Estado do Paraná, que aderiu a um plano de recuperação extrajudicial proposto por um grupo empresarial privado, renunciando a 90% de um crédito público bilionário, originalmente pertencente ao Estado.

A decisão, que contraria a legislação vigente e o entendimento consolidado do STJ, segundo o qual créditos públicos não se submetem à recuperação judicial ou extrajudicial, escancara uma prática que exige urgente revisão: a flexibilização indevida da gestão do patrimônio público sob o pretexto de agilidade e eficiência.

A legislação estadual que rege a atuação dessas agências é clara ao definir seus limites: elas são gestoras, não proprietárias do crédito.

A renúncia a valores vultosos, sem autorização específica, constitui não apenas uma infração legal, mas uma grave violação aos princípios da moralidade administrativa, da legalidade e da supremacia do interesse público.

A adesão ao plano de recuperação nesse caso, em prejuízo do erário e benefício de um grupo econômico em situação de insolvência, evidencia a inversão de prioridades institucionais. O mais alarmante, no entanto, é que isso ocorre fora do alcance direto da Procuradoria do Estado e dos órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, abrindo brechas para decisões temerárias que podem se repetir silenciosamente em outros estados.

É necessário fazer uma pausa e refletir: que tipo de política pública permite que agentes auxiliares passem a exercer, na prática, atos típicos do Poder Executivo, sem a devida responsabilização? E mais: quantos outros créditos públicos estão sendo renegociados à margem da fiscalização, sem que a sociedade sequer tome conhecimento?

Em um momento em que se discute o fortalecimento das instituições, a integridade administrativa e a responsabilidade na gestão fiscal, não é mais possível ignorar que as Agências de Fomento estão operando em um terreno normativo frágil e, muitas vezes, fora do radar institucional.

Revisar o marco regulatório das Agências de Fomento é urgente. Ampliar a fiscalização de suas operações, submeter suas decisões à autorização legislativa quando envolverem renúncia de receita e devolver às Procuradorias do Estado a representação processual plena são medidas que precisam ser debatidas com seriedade.

É hora de reconhecer que a “privatização institucional” do interesse público não se dá apenas pela concessão de serviços essenciais, mas também pela terceirização da responsabilidade sobre o dinheiro público. E quando isso acontece sem limites claros, o risco de abuso, favorecimento e prejuízo à coletividade cresce, e muito.

Compartilhe

Leia também