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O Brasil precisa perder o medo da IA

Foto: divulgação

Por Gustavo Sá Ferreira, Chief Strategy Officer (CSO) e fundador da FindUP.

O Brasil ainda está alguns passos atrás na aplicação prática da Inteligência Artificial. Isso ficou claro pra mim durante o Google Cloud Next, conferência global voltada à tecnologia em nuvem, que reuniu profissionais da tecnologia de várias partes do mundo. Nesta última edição, tive a chance de conversar com profissionais da Índia, Canadá e Espanha — países que não apenas falam sobre IA, mas já a utilizam de maneira avançada, resolvendo problemas concretos em escala empresarial e pública.

A Índia, hoje em 20º no ranking, já exporta soluções para setores críticos como saúde e transporte nos EUA. No Canadá, modelos de IA estão otimizando a gestão de leitos em hospitais públicos, reduzindo filas em até 30%.

Enquanto muitos executivos brasileiros têm vontade de usar a tecnologia, a maioria ainda não sabe exatamente para quê. Falta clareza sobre qual problema real pode ser resolvido com inteligência artificial.

Essa lacuna não se preenche apenas com investimento em infraestrutura ou acesso a ferramentas. Toda transformação começa na educação.

Nosso país ocupa hoje a 31ª posição no Global AI Index, da  Tortoise Media – índice que mede a capacidade de países em inovação, talento, infraestrutura e impacto em IA.  O uso de IA por brasileiros vem crescendo — principalmente em atividades do dia a dia e tarefas automatizáveis — o verdadeiro desafio está em levar essa tecnologia para resolver problemas estruturais e estratégicos dentro das organizações.

Ao mesmo tempo, vale destacar que já temos visto grandes indústrias brasileiras se movimentando de forma mais estruturada para aplicar IA em seus processos. Isso nos dá um certo conforto de que essa mudança de mentalidade está, de fato, em curso — ainda que de forma gradual.

No Brasil, o que falta não são soluções em IA, mas sim uma mudança de mentalidade no topo das empresas. Enquanto já temos tecnologia disponível para resolver problemas reais, muitos CIOs ainda tratam a IA apenas como inovação — quando, na verdade, ela já é uma ferramenta essencial para a competitividade. 

É nesse contexto que entra a importância de políticas públicas. O Brasil não precisa disputar espaço na criação de modelos de linguagem com gigantes como EUA ou China. Mas pode (e deve) ser referência em usar a IA para resolver problemas reais da nossa sociedade. Isso passa por fomentar editais de pesquisa e desenvolvimento, estimular universidades a criarem cursos especializados e formar uma nova geração de profissionais aptos a aplicar IA em escala.

O receio de que a inteligência artificial vá extinguir empregos ainda bloqueia o avanço da tecnologia em muitas empresas. Mas esse medo ignora um ponto essencial: o trabalho não desaparece — ele evolui.

Há alguns anos, um atendente nos entregava o ticket no estacionamento. Hoje, esse processo é digital. E o profissional? Migrou para outra função, adaptou-se, qualificou-se. A IA não substitui pessoas, ela substitui tarefas repetitivas. E cabe aos líderes enxergar isso como uma oportunidade de requalificação e crescimento, não como ameaça.

Essa é a lógica que deve orientar os gestores públicos e privados: entender que a IA não é um inimigo do trabalho humano, mas um meio de potencializá-lo. Mais que disponibilizar o Gemini ou o GPT para todos os funcionários, é preciso criar estratégias reais de eficiência, promovendo a transformação das equipes, e não o seu corte.

Se quisermos um país mais competitivo, precisamos parar de pensar apenas em “usar IA” e começar a pensar em formar pessoas capazes de aplicá-la com inteligência, ética e criatividade. E isso só se faz com investimento em educação — da base ao ensino superior.

Temos capital humano, temos desafios reais e temos tecnologia disponível. Falta transformar tudo isso em ação coordenada. O futuro da IA no Brasil não depende de um salto tecnológico — depende de um salto de mentalidade.

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