Com a incorporação da inteligência artificial (IA) em operações rotineiras, empresas enfrentam um novo ponto: ou preparam suas equipes para o novo cenário digital ou comprometem sua competitividade. Nesse contexto, o reskilling surge não apenas como uma diretriz estratégica, mas como uma exigência estrutural para garantir relevância, eficiência e sustentabilidade organizacional.
O relatório mais recente do Fórum Econômico Mundial (WEF, 2023) destaca que, até 2027, aproximadamente 44% das habilidades profissionais atuais precisarão ser atualizadas em função da adoção massiva de IA nas organizações. Em um ambiente onde algoritmos atuam lado a lado com pessoas, o desafio não se limita a aprender novas habilidades técnicas, mas é também sobre preparar pessoas para prosperar, em um mundo onde aplicações inteligentes são parceiras constantes no trabalho diário.
Vejo um futuro onde o trabalho será cada vez mais colaborativo entre humanos e agentes de IA, exigindo habilidades novas, como curadoria, interpretação crítica, pensamento sistêmico e tomada de decisão orientada por dados.
Reskilling, então, significa transformar colaboradores cujas competências anteriores eram baseadas em tarefas repetitivas e previsíveis em profissionais capazes de interpretar dados complexos, tomar decisões informadas por algoritmos, e interagir com sistemas autônomos de maneira crítica e estratégica
As funções puramente operacionais tendem a ser absorvidas por agentes inteligentes, o que libera as pessoas para atividades de maior valor estratégico e criativo. O desafio será manter o humano no centro das decisões, garantindo responsabilidade, ética e senso crítico no uso dessas tecnologias.
O papel da liderança
Uma estratégia de reskilling eficaz depende diretamente do grau de envolvimento da liderança executiva. Não basta apenas financiar treinamentos ou indicar uma direção genérica. Líderes precisam se envolver diretamente no desenvolvimento dessas estratégias, assegurando clareza na comunicação dos objetivos e promovendo uma cultura de aprendizado contínuo.
Segundo o relatório “Superagency in the workplace: Empowering people to unlock AI’s full potential” (2025), da McKinsey, apesar de 92% das empresas planejam investir mais em IA nos próximos três anos, apenas 1% dos líderes acreditam que suas organizações já estão maduras na implementação dessas tecnologias. É preciso que líderes deixem de ser apenas patrocinadores financeiros e se tornem agentes ativos de mudança no processo de transformação, estabelecendo governança eficaz para projetos de IA, acompanhando a evolução das equipes e reforçando continuamente a importância das novas habilidades para a estratégia global da organização.
Empresas que negligenciam a capacitação de suas equipes enfrentam consequências graves, como a perda acelerada de talentos, a incapacidade de aproveitar plenamente o potencial das tecnologias emergentes e, consequentemente, um declínio inevitável de competitividade no mercado global. Empresas que souberem combinar capacidade técnica com inteligência emocional e adaptabilidade terão uma vantagem competitiva clara.
As áreas sob maior pressão de requalificação
O impacto da IA abala praticamente todos os setores, mas há áreas específicas que enfrentam uma pressão especialmente intensa para atualização rápida das competências. Conforme dados do Gartner e McKinsey, as seguintes áreas destacam-se como prioritárias para ações imediatas de reskilling:
- TI e Desenvolvimento de Software: apesar de considerados preparados para a evolução tecnológica, os profissionais com funções técnicas convencionais, como desenvolvedores front-end e back-end tradicionais, precisam urgentemente transitar para cargos híbridos, como engenheiros de ML Ops, analistas de dados avançados e arquitetos de IA;
- Operações, logística e manufatura: funções que envolvem tarefas repetitivas ou previsíveis já vêm sofrendo forte redução devido à automação inteligente e robótica avançada. Trabalhadores dessas áreas precisam rapidamente adquirir habilidades voltadas para gestão e manutenção de sistemas inteligentes e análise preditiva baseada em dados;
- Atendimento ao cliente e vendas: com chatbots e assistentes virtuais inteligentes assumindo tarefas básicas, profissionais dessas áreas precisam desenvolver habilidades relacionadas à resolução de problemas complexos, gestão de interações críticas com clientes, empatia digital e capacidade avançada de negociação;
- RH e Gestão de Pessoas: a área vem sofrendo uma transformação radical pela adoção crescente de ferramentas analíticas e algoritmos preditivos para recrutamento, retenção e engajamento de talentos. Assim, profissionais de RH precisam se tornar proficientes em analytics, data-driven decision making, e compreensão crítica de algoritmos, além de desenvolver competências avançadas de gestão emocional e cultural para equilibrar decisões técnicas com a sensibilidade humana;
- Financeiro e Administrativo: a automação inteligente já impacta fortemente áreas como contabilidade, auditoria e controle financeiro. Para sobreviver a essa transição, colaboradores dessas áreas devem dominar habilidades analíticas avançadas, aprender a supervisionar robôs de software (RPA) e atuar estrategicamente na análise de dados financeiros complexos para apoiar a tomada de decisão executiva.
Cada uma dessas áreas ilustra como o avanço tecnológico demanda não apenas novos conhecimentos, mas novos papéis e abordagens no ambiente corporativo. O reskilling nessas áreas é, portanto, uma prioridade estratégica e urgente para garantir a sustentabilidade das carreiras e a competitividade das organizações.
Na Mirante, tratamos o reskilling como um processo contínuo e estratégico. Com a aceleração da adoção de IA em nossos projetos, entendemos que preparar nossos times para novas competências é tão importante quanto entregar valor ao cliente.
Para isso, desenvolvemos uma plataforma própria chamada AI Impact, que identifica o potencial de automação de cada atividade dentro de uma função. A partir dessa análise, estimamos o tempo esperado para que cada tarefa seja automatizada com base em benchmarks de mercado. Em seguida, sugerimos quais atividades poderiam substituir essas tarefas e, para cada nova atividade, mapeamos as habilidades necessárias.
Cada habilidade é associada a uma trilha de aprendizagem personalizada — composta por cursos, vídeos, artigos e testes, permitindo que nosso time de talentos atue de forma objetiva e eficaz no desenvolvimento dos colaboradores. Isso garante foco no que é mais relevante, com um caminho claro de evolução profissional.
Mais que técnica, o futuro
O mercado não espera profissionais passivos frente à automação; ao contrário, exige colaboradores capazes de atuar de forma proativa, se adaptando e contribuindo estrategicamente com uma nova dinâmica de trabalho, na qual tecnologia e habilidade humana avançam juntas.
Meu principal conselho para outras empresas que estão começando a pensar em reskilling é não esperar ter o “plano perfeito” para começar: primeiro comece, depois melhore. A velocidade da transformação exige ação rápida e interativa. Comece pequeno, mas com clareza de propósito, identifique os papéis mais impactados pela IA no curto prazo, e monte trilhas de aprendizagem aplicáveis ao dia a dia dessas pessoas. O reskilling não é uma ação isolada de RH, é uma alavanca de produtividade, inovação e sustentabilidade do modelo de negócio em uma nova era.
Em colaboração com Nícolas Paschoal, head de marketing da Mirante Tecnologia e especialista em projetos voltados à aceleração de negócios B2B.