Por Amure Pinho, investidor-anjo em mais de 51 startups e fundador do Investidores.vc.
A expressão “smart money”, ou “dinheiro inteligente”, percorre o universo financeiro há décadas, geralmente atribuída ao capital vindo de investidores institucionais, insiders de mercado ou indivíduos com acesso privilegiado a informações, experiência e ferramentas de análise refinadas. A ideia sempre foi a de que esse dinheiro “sabia para onde ir”: que antecipava tendências, identificava ativos subvalorizados, escolhia vencedores antes que o resto do mercado pudesse enxergá-los.
Contudo, com a evolução do ecossistema de investimentos, a explosão da interação das financeiras em redes sociais, o acesso democratizado às plataformas de negociação e a crescente presença da inteligência artificial nos mercados, a pergunta se impõe com força renovada: ainda faz sentido falar em “smart money” ou estamos diante de um conceito que se esvaziou e virou apenas mais um jargão de marketing?
O termo ganhou força especialmente com o avanço do capital de risco (venture capital) no século XXI, quando fundos sofisticados passaram a investir em startups promissoras como Google, Facebook, Airbnb e tantas outras antes que elas se tornassem gigantes. O smart money era, então, visto como aquele investimento que vinha acompanhado com redes de contatos, mentoria, estrutura e credibilidade. Em um ecossistema como o do Vale do Silício, onde reputação é um ativo de valor inestimável, o carimbo de um fundo de primeira linha funcionava como selo de validação.
No Brasil, esse fenômeno ganhou destaque a partir de 2010, com a consolidação de fundos como Monashees, Kaszek, Canary e Redpoint eventures. Receber investimento desses players era sinônimo de qualidade do projeto e, muitas vezes, garantia uma vantagem competitiva no mercado.
Entretanto, essa visão tem sido progressivamente questionada. Em parte porque os resultados concretos do smart money começaram a ser relativizados. Fundos renomados cometeram erros estratégicos em série: apostaram em modelos de negócio insustentáveis, supervalorizaram startups que colapsaram ou se mostraram inviáveis e, em alguns casos, fomentaram práticas agressivas que colocaram em risco a saúde financeira e a reputação de empresas investidas.
Um exemplo emblemático é o caso do WeWork, que recebeu bilhões de dólares de fundos considerados os mais “inteligentes” do mundo, apenas para ruir sob o peso de má gestão, uma governança corporativa falha e uma narrativa de crescimento inflada demais para a realidade dos números. O mesmo ocorreu com Theranos, que contou com o apoio de investidores lendários, mas revelou-se um dos maiores escândalos da história do setor de tecnologia e saúde.
A ascensão das fintechs e o avanço da digitalização permitiram que investidores de varejo passassem a acessar informações em tempo real, dados públicos sobre empresas, relatórios financeiros, análises independentes, e até mesmo algoritmos de análise preditiva. Se antes a vantagem estava no acesso restrito a dados, hoje esse diferencial está diluído.
Plataformas como a Bloomberg e o Refinitiv, que antes eram ferramentas de nicho, têm suas versões adaptadas para o grande público. O boom das redes como o X, Reddit e TikTok, com comunidades como o WallStreetBets, trouxe à tona o chamado “dumb money” que, em episódios como o da GameStop, virou a mesa e enfrentou o smart money de igual para igual. Isso abalou o conceito clássico de que somente o capital institucional tem a capacidade de mover mercados com inteligência estratégica.
É importante destacar que o termo também foi absorvido pelo discurso do marketing financeiro. Muitas casas de análise, corretoras e influenciadores utilizam o conceito como chamariz: “siga o dinheiro inteligente”, “compre onde os institucionais estão comprando”, “faça como os tubarões”. Em boa parte dos casos, trata-se de uma apropriação superficial da ideia, sem lastro analítico robusto. Ferramentas que prometem mostrar o fluxo do smart money muitas vezes estão baseadas em dados de volume de negociação ou posições abertas, o que não necessariamente representa um movimento racional ou estratégico. O próprio uso do termo, assim, se transformou em buzzword: um jargão que sugere sofisticação, mas que nem sempre entrega o conteúdo que promete.
Isso não quer dizer que o conceito de smart money tenha se tornado totalmente obsoleto. Há ainda valor na análise dos fluxos institucionais, principalmente em mercados emergentes e setores de baixa liquidez, onde grandes movimentos de capital ainda têm capacidade de antecipar tendências. Ademais, investidores com histórico consistente de retornos superiores ao mercado, continuam sendo referências não apenas por seus resultados, mas pela clareza estratégica com que operam.
Nesse sentido, o smart money não está morto, mas transformado. Deixou de ser uma entidade mítica, onisciente e infalível, e passou a ser uma peça dentro de um tabuleiro muito mais complexo, onde dados, algoritmos, comportamento coletivo e narrativas digitais têm peso tão relevante quanto a análise fundamentalista clássica.
A transformação do mercado, sobretudo após os choques de 2020 em diante, como a pandemia, o aumento das taxas de juros globais, instabilidade geopolítica e transformação digital acelerada, exigiu que o investidor repensasse suas premissas. A tese de que o dinheiro “inteligente” sempre sabe o que está fazendo foi desafiada por um cenário onde o risco é onipresente, a previsibilidade é baixa e os ciclos de euforia e pânico são mais curtos. O que emerge, então, é a ideia de que o verdadeiro smart money está em desenvolver uma capacidade crítica, analítica e adaptativa diante das dinâmicas do mercado.
Portanto, “smart money” ainda faz sentido, mas não no mesmo molde em que foi cunhado. Ele precisa ser compreendido como uma peça de um ecossistema multifacetado. A inteligência do capital hoje está muito mais em sua capacidade de gerar valor de forma sustentável, de fomentar boas práticas de governança, de construir reputações sólidas e de adaptar-se com agilidade às mudanças. Reduzir o conceito a um slogan publicitário esvazia sua potência, mas aprofundá-lo e atualizá-lo pode, sim, oferecer insights valiosos sobre como o capital navega em um mundo em constante transformação.