A cena é cada vez mais comum em São Paulo: moradores passam pela portaria do prédio sem procurar chave ou cartão de acesso; basta mostrar o rosto para uma câmera. O sistema reconhece, identifica e abre o portão. Rápido, conveniente, moderno. O processo é semelhante ao usado para desbloqueio de celulares. Mas por trás de tanta facilidade, o uso do reconhecimento facial em condomínios residenciais vem levantando questionamentos com relação à segurança.
A biometria facial é uma resposta tecnológica ao crescimento urbano,automação de serviços e à busca por maior segurança. Sua promessa é de menos filas na portaria, maior controle de entrada e saída e o fim das chaves perdidas. No entanto, o avanço dessa solução vem acompanhado de um ponto cego, que é a proteção dos dados pessoais. De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a biometria facial é classificada como dado pessoal sensível, pois envolve características únicas do indivíduo. Seu uso indevido ou sem as medidas de segurança adequadas, pode resultar em impactos significativos à privacidade do titular. O rosto, ao contrário de uma senha, não pode ser trocado. Por isso, uma vez vazado, o dado biométrico se torna um risco permanente.
Casos recentes mostram que essa preocupação não é teórica. No interior de São Paulo, moradores de condomínios descobriram que seus dados (incluindo fotos, CPF, endereço residencial, dados de veículo pessoal e outras informações) estavam sendo vendidos na “dark web”. As possíveis consequências disso envolvem golpes bancários, fraudes em programas sociais e até tentativas de sequestro. Em muitos casos, os moradores sequer sabiam que sua imagem havia sido armazenada com baixo nível de segurança. Em alguns casos há uma obrigatoriedade disfarçada. Apesar de a LGPD prever o consentimento livre, informado e específico como uma hipótese legal para o tratamento de dados pessoais, é importante que, ao adotá-lo para a utilização de reconhecimento facial, os condomínios assegurem alternativas viáveis aos usuários que optarem por não fornecer esse consentimento.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por zelar pela LGPD, tem competência para realizar inspeções nos sistemas implementados por empresas terceirizadas em condomínios. No entanto, considerando que a fiscalização desse tipo de tratamento de dados ainda é uma frente em desenvolvimento, casos recentes ocorridos no primeiro semestre de 2025 envolvendo a exposição de dados biométricos sensíveis reforçam a importância de atenção contínua ao tema. Esse cenário evidencia que milhões de rostos podem estar sendo coletados, processados e armazenados, demandando práticas cada vez mais robustas de governança e transparência.
Diante desse cenário, o que fazer? Primeiramente, saiba que se o seu condomínio utiliza a base legal do consentimento livre, ou seja, se ele lhe fornece a opção de poder ou não cadastrar a sua biometria facial, você tem direito à escolha. Nenhum morador pode ser obrigado a fornecer sua biometria facial, salvo em casos em que o condomínio utiliza de outras bases legais para exigir e armazenar esta informação sensível, exemplificando hipóteses o Art. 11. da LGPD, como em casos de segurança pública, proteção da vida ou outro cumprimento de obrigação legal determinado pela lei vigente.
Se o condomínio der a opção de cadastrar a biometria facial e o morador optar por não consentir, então o condomínio deve oferecer alternativas viáveis, como chaves, “tags” ou senhas. É dever do síndico garantir que haja um termo de consentimento individual a ser assinado física ou digitalmente, bem como um protocolo de exclusão segura dos dados em caso de mudança de morador, saída de funcionário ou retirada de visitantes autorizados. O condomínio também deve cobrar um relatório regular de segurança por parte da empresa que opera o sistema de reconhecimento facial para que possa prestar contas aos condôminos.
Ao aderir a uma nova tecnologia, os condomínios devem prezar pela educação digital dos moradores. Muitos não sabem que têm o direito de solicitar a exclusão ou inativação de seus dados sensíveis como por exemplo o reconhecimento facial quando não estão sustentados pela base legal adequada segundo a LGPD. Informação é poder, e empoderar o cidadão é o primeiro passo para garantir que a tecnologia não seja usada contra ele, nem que possíveis consequências negativas pelo uso da biometria facial se voltem contra o síndico ou a administradora do condomínio.