Em tempos em que o consumo parece cada vez mais digital, o Brasil assiste a um fenômeno curioso: filas quilométricas, multidões disputando sacolas e stories que transformam uma compra em espetáculo. A Shein, gigante chinesa da moda acessível, decidiu abrir pop-ups físicos em diversas capitais brasileiras e, só em Salvador, atraiu mais de dez mil pessoas em poucos dias.
Por trás dos cabides e do neon instagramável, há um dilema que não cabe só no carrinho de compras: até que ponto a experiência sensorial consegue neutralizar uma reputação colocada em xeque?
Em março deste ano, o Shein Experience Center desembarcou no Salvador Shopping com números que lembram a chegada de uma turnê internacional: 11 mil itens vendidos e 85% do estoque escoado em menos de uma semana. Antes disso, a marca já havia testado o mesmo modelo em outras cidades, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, sempre com filas que começavam horas antes da abertura. As imagens viralizaram nas redes sociais, transformando a compra em programa cultural e a sacola laranja em símbolo de pertencimento.
Enquanto isso, cresciam os questionamentos públicos sobre a atuação da marca no país: práticas fiscais controversas, disputas por isonomia com o varejo nacional e denúncias sobre condições de trabalho em sua cadeia produtiva global. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, apenas em 2024, a importação de produtos têxteis chineses cresceu 37% no Brasil, impactando diretamente o setor produtivo local.
Na prática, o pop-up é mais do que uma loja temporária. É um ponto de contato que mistura vitrine, experiência imersiva e laboratório de comportamento. Um espaço desenhado para gerar desejo em tempo limitado, conectar dados com emoção e capturar a atenção de quem passa ou posta. Uma pesquisa recente da Kantar revelou que 68% dos consumidores que visitam lojas físicas temporárias estão dispostos a pagar mais pelo produto quando a experiência de compra é memorável mesmo quando o diferencial da marca está justamente no preço baixo.
O Brasil virou campo de testes de uma estratégia que a marca vem chamando de tropicalização. Isso inclui adaptação ao comportamento local, custeio de tributos como o ICMS para pedidos de até 50 dólares e parcerias com fornecedores nacionais. A marca também tem investido em ações de impacto social, como a arrecadação de roupas para instituições beneficentes. De acordo com o BTG Pactual, a estratégia da Shein de nacionalizar parte de sua produção pode chegar a 30% do volume comercializado no Brasil até o final de 2025, movimento acelerado após novas taxações nos EUA.
Mas, do lado de cá, a equação parece menos complicada. A combinação de preço acessível, senso de novidade e atmosfera visual cria uma experiência difícil de ignorar. Dentro dos pop-ups, tudo é pensado para estimular os sentidos: espelhos amplos, iluminação que favorece o clique, playlists curadas, disposição de produto que convida à interação. É o cenário ideal para gerar conteúdo espontâneo e engajamento orgânico sem precisar impulsionar.
Em um mercado saturado de ofertas online, o físico voltou a ter valor simbólico. A sacola na mão, a selfie no backdrop oficial, a sensação de estar participando de algo que acontece ali, agora, e logo vai embora. A experiência virou ativo de marca, mesmo quando a reputação ainda está em debate.
Esse talvez seja um dos maiores paradoxos do consumo contemporâneo. Enquanto parte da audiência questiona a marca nos comentários, outra parte forma fila para participar do momento, fotografar e compartilhar. E as duas atitudes convivem no mesmo feed. Um levantamento da XP Investimentos mostrou que as lojas temporárias da Shein geraram mais de 2 milhões de menções orgânicas nas redes sociais durante o primeiro trimestre de 2025, com 73% delas com sentimento positivo, apesar das controvérsias.
A lição que fica é que marcas que entendem o contexto local, apostam em narrativas sensoriais e oferecem experiências memoráveis, mesmo que temporárias, podem gerar conexão que ultrapassa os discursos e desafia as controvérsias.
Mas também fica o convite: que o marketing não seja só bonito no palco, que também seja coerente nos bastidores.