Por Maurício Vizeu de Castro, CEO da Vizca Engenharia e Consultoria.
O avanço tecnológico impôs um novo ritmo à engenharia, especialmente em setores como infraestrutura, onde soluções baseadas em inteligência artificial, modelagem da informação da construção (BIM), internet das coisas (IoT) e big data já estão transformando radicalmente a forma como projetos são concebidos, executados e gerenciados.
No entanto, a adoção efetiva dessas tecnologias esbarra em barreiras que vão muito além do investimento financeiro, revelando um paradoxo, onde a inovação se apresenta como urgente e necessária, mas sua implementação segue travada por questões culturais, institucionais e organizacionais.
Em setores tradicionalmente marcados por processos lentos e regulação rígida, como o de saneamento e infraestrutura urbana, a pressão por modernização cresce à medida que governos e empresas se comprometem com metas ambiciosas de universalização e eficiência.
Porém, a transformação digital ainda é limitada. As metas para universalização do saneamento no Brasil expõem a distância entre as promessas de entrega e a realidade operacional dos projetos, que em muitos casos ainda não incorporaram ferramentas digitais avançadas no ciclo de vida dos empreendimentos.
Essa lacuna é ainda mais preocupante diante da expansão da internet das coisas no setor corporativo.
De acordo com o relatório da GlobalData, a IoT empresarial responderá por 72% da receita global desse mercado até 2028, com possibilidade de atingir US$ 1,8 trilhão em receita, enquanto o segmento de consumo perderá participação.
Isso reforça o potencial, e a urgência, de incorporar dispositivos conectados em obras, monitoramento remoto, controle de ativos e manutenção preditiva na infraestrutura urbana. A aceleração tecnológica demanda uma reestruturação profunda nas formas de pensar e executar a engenharia.
Um dos maiores desafios está na qualificação de profissionais aptos a operar, interpretar e tomar decisões com base em dados extraídos de ferramentas digitais.
A lacuna de competências se manifesta tanto na formação acadêmica, ainda muito desconectada da prática tecnológica, quanto na capacitação continuada, que precisa ser valorizada pelas organizações como parte estratégica da inovação.
À medida que a IA assume funções mais estratégicas no planejamento e execução de obras, cresce a responsabilidade humana de garantir que os critérios de decisão sejam transparentes, auditáveis e centrados no interesse público.
Em infraestrutura, os impactos das decisões técnicas são extensos e duradouros, o que reforça a necessidade de um debate mais amplo sobre os limites e os cuidados necessários no uso dessas tecnologias.
Desse modo, promover uma cultura de inovação requer tempo, liderança e persistência.
As empresas que conseguem avançar nesse caminho são, em geral, aquelas que tratam a tecnologia não como um fim, mas como parte de uma estratégia ampla de melhoria de desempenho, produtividade e sustentabilidade. Já as que resistem tendem a operar em ciclos de baixa competitividade, com estruturas engessadas e pouca abertura para o novo.
Universidades e entidades de classe também têm um papel crítico na superação, pois elas que podem acelerar a integração entre conhecimento técnico e ferramentas digitais, promovendo currículos mais aderentes à realidade dos projetos e incentivando a pesquisa aplicada voltada para a resolução de problemas concretos.
Sem esse envolvimento institucional, a disrupção corre o risco de se limitar a iniciativas isoladas, incapazes de gerar impacto sistêmico.
A implementação precoce de tecnologias não consolidadas pode gerar perdas e desgaste, exatamente pela falta de padronização e integração. A não adoção das tecnologias emergentes, por outro lado, representa um risco concreto de obsolescência para empresas e setores inteiros.
Em mercados globais, onde a produtividade e a sustentabilidade se tornaram critérios centrais de avaliação, ficar para trás na transformação digital significa comprometer o futuro.
Superar o paradoxo da inovação na engenharia, portanto, exige um esforço coordenado entre empresas, governos, universidades e entidades de classe.
Mais do que incorporar tecnologias, é preciso mudar mentalidades, reformular processos e desenvolver lideranças comprometidas com a transformação. A urgência tecnológica é real, mas sua efetivação depende da nossa capacidade de adaptação coletiva.