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Deu tilt no escritório: desafios reais no uso de IA em ambientes corporativos

Foto: divulgação.

Por Gustavo Pinto, pesquisador do Zup Labs.

A inteligência artificial vive um momento de ouro na indústria. Com a popularização dos grandes modelos de linguagem (LLMs), vemos uma corrida intensa para incorporar IA em tudo: do atendimento ao cliente e suporte até o desenvolvimento de software.

Mas é justamente nesse entusiasmo generalizado que mora um risco real: o de confundirmos demonstrações impactantes com soluções de fato robustas.

Recentemente, assisti a uma palestra do professor Armando Solar-Lezama, do Tecnologia de Massachusetts (MIT), que ajudou a colocar essa diferença entre expectativa e realidade em perspectiva. Ele encerrou sua fala com uma frase simples, mas poderosa: “Demos are easy, but products are hard.” Em outras palavras, criar uma demonstração técnica impressionante, que funciona bem em um ambiente controlado, é relativamente fácil.

O verdadeiro desafio está em transformar essa tecnologia em um produto robusto, confiável e sustentável, que funcione no mundo real, com todas as suas variáveis, limitações e exigências. Isso exige não apenas conhecimento técnico, mas também resiliência, responsabilidade e, acima de tudo, discernimento sobre quando e como aplicar a IA de forma segura e eficaz.

Os avanços recentes em IA são inegáveis, temos algoritmos mais potentes, dados em abundância e infraestrutura em nuvem acessível. No papel, isso deveria nos levar a um salto de produtividade. E, em muitos casos, leva.

Mas a realidade corporativa é mais árida do que os palcos de eventos de tecnologia. Quem está no dia a dia sabe que os desafios começam justamente onde os holofotes acabam.

Responsabilidade não se delega à máquina

Modelos de IA ainda enfrentam obstáculos técnicos importantes. São dependentes de grandes volumes de dados, não performam bem com linguagens de baixo nível e, em ambientes críticos, como engines de jogos ou aplicações com requisitos de latência extrema, podem até introduzir riscos. Sem contar que reproduzem bugs, geram códigos ineficientes e, em alguns casos, tornam os sistemas mais frágeis, e não o contrário.

Há também a dificuldade de integrar IA a sistemas legados, que não foram desenhados para operar com componentes baseados em aprendizado de máquina.

O professor Solar-Lezama destacou caminhos de pesquisa para mitigar essas barreiras, como aprendizado com menor supervisão, verificação formal de modelos e estratégias para tornar a interação com IA mais segura e controlável, mas todos eles ainda exigem avanço e, principalmente, maturidade de implementação por parte das empresas.

Outro ponto central é o teste com mentalidade adversarial. Em um cenário ideal, devemos partir do princípio de que tudo que não foi testado exaustivamente, inclusive em diferentes idiomas ou simulações maliciosas, pode falhar.

Estudos já mostram, por exemplo, que LLMs treinados majoritariamente em inglês apresentam comportamentos instáveis ao serem utilizados em outras línguas. Isso não é detalhe técnico: é risco operacional.

Acima de tudo, é preciso cultivar uma cultura de responsabilidade. E isso significa reconhecer que a IA, por mais avançada que seja, não elimina a necessidade de decisões humanas bem informadas.

Delegar tarefas à máquina não é delegar responsabilidade. As escolhas continuam sendo feitas por pessoas, e são essas decisões que moldam a qualidade final dos produtos e serviços entregues.

Como qualquer tecnologia emergente, a IA exige uma curva de aprendizado. Leva tempo para entender seus limites, adaptar processos e revisar expectativas. Mas isso não pode ser desculpa para uso superficial. Implementar IA de forma segura, eficaz e ética não é tarefa trivial, e tampouco deve ser tratada como tal.

Por isso, a lembrança do professor Armando continua válida: demos são fáceis, produtos são difíceis. Que tenhamos a coragem de encarar essa complexidade, e a responsabilidade de fazer a tecnologia funcionar na prática, e não só no palco.

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