No Brasil de hoje, a infância está em risco, não por falta de brincadeiras, mas pelo excesso de exposição às telas. O fenômeno da adultização ganhou força com o avanço das redes sociais, transformando crianças em versões precoces de adultos. Não se trata apenas da aparência: envolve responsabilidades antecipadas, produção de conteúdo inadequado e a qualquer custo visando apenas rentabilidade que geram pressões emocionais atropelando etapas fundamentais do desenvolvimento infantil. Estamos falando de sequelas já estudadas cientificamente.
O caso recente envolvendo o influenciador Felca escancarou uma realidade incômoda: crianças sendo usadas como ferramentas de engajamento, monetização e visibilidade. Famílias, criadores de conteúdo e os próprios algoritmos das plataformas digitais alimentam essa dinâmica, muitas vezes sem medir as consequências. O resultado? Danos emocionais, vulnerabilidade a abusos, vícios, depressão, e uma infância que se dissolve diante da lógica do clique.
Nesse contexto, o avanço legislativo é urgente. O Projeto de Lei, conhecido como “ECA Digital”, e as propostas do Governo Federal e do STF para 2025 representam um esforço para frear essa corrida pela adultização. Essas proposições para uma legislação mais rígida que corrija abusos e a ideia de uma terra sem lei, são tardias, e por isso precisam de agilidade e pressão popular para que o poder público se movimente. Precisamos olhar para as legislações em outros países e nos aperfeiçoarmos.
Enquanto o Brasil ainda engatinha na regulamentação do uso de redes sociais por crianças e adolescentes, o mundo já dá passos firmes na proteção da infância digital. A Austrália, por exemplo, aprovou uma lei inédita que proíbe o acesso de menores de 16 anos às redes sociais, exigindo bloqueios rígidos e penalizando plataformas que descumprirem. A União Europeia, com seu robusto Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), obriga o consentimento dos pais para coleta de dados de menores, dificultando o perfilamento comercial que alimenta a adultização infantil.
França, Alemanha e Bélgica também avançam com legislações próprias que exigem autorização parental e debatem limites ainda mais rígidos, como a proibição de celulares para crianças pequenas. Esses exemplos mostram que proteger a infância no ambiente digital não é apenas possível — é urgente.
O Brasil precisa olhar para essas iniciativas com seriedade e coragem, reconhecendo que a ausência de regulação não é neutral: é permissiva. A infância não pode continuar sendo explorada por algoritmos e modelos de negócio que lucram com a exposição precoce.
Mas devemos lembrar que apesar da legislação ser um suporte fundamental para todos os países, nós mesmos temos que entender os limites claros da produção de conteúdo desenfreada. Estamos em uma mudança mais do que cultural, econômica. Agora o seu tempo é o dinheiro das plataformas e também dos produtores de conteúdo, agora mais do que nunca é tempo de revisar seu consumo de telas, logo minimizar o palco para quem não tem freios nem escrúpulos para produção de conteúdo.
Pais presentes
Mas nenhuma lei substitui o olhar atento dos pais. A proteção digital começa em casa, com diálogo, limites e consciência sobre o que se consome e se compartilha. A infância não pode ser negociada por likes. Ela precisa ser vivida com tempo, afeto e liberdade, longe dos holofotes e perto do que realmente importa.
Transformar a infância em mercadoria, sexualizando e expondo crianças sem zelo algum, não pode ser aceito sob nenhuma justificativa – tampouco como estratégia de negócios. Proteger a criança de ser vista como produto comercial é uma obrigação ética e social.
A infância não pode ser palco de algoritmos. E isso começa com responsabilidade das famílias, das plataformas e do Estado. Porque permitir que o mundo digital roube a infância é abrir mão do futuro.